nesse ponto da história da humanidade, eu já nem faço ideia de quantas vezes a Lady Gaga supostamente esteve de volta. na verdade, pensando melhor, eu nem sequer sei quando ela foi embora. depois de todos os vestidos de carne e canções homossexuais para homossexuais de tempos já longínquos, parece que chegou um ponto em que todo mundo ficou meio cansado de todas as coisas estranhas que essa mulher se propunha a fazer. talvez o exato ponto em que isso aconteceu seja difícil de apontar: apesar de The Lady is a Tramp ter sido ruim a ponto de mudar o planeta Terra para pior — há um argumento a ser feito de que essa canção causou o contrário de um cultural reset na sociedade —, o ano era 2011 e a Lady Gaga podia fazer o que ela quisesse. quando se está no topo do mundo, não tem problema lançar um disco de standards com o Tony Bennett. mas quando é 2021 e você lançou Chromatica há menos de um ano, lançar um terceiro disco de standards com o Tony Bennett fica meio chato
eu tenho uma relação normal com a cantora Lady Gaga — e com a mulher Stefani Germanotta. eu gostava da Lady Gaga exatamente com a mesma intensidade que uma adolescente normal em 2009 gostava: o clipe de Telephone era ótimo, eu assistia ele diariamente no Disk MTV e se a seleção de clipes estivesse meio morna no dia, eu votaria nele para chegar na primeira posição contra alguma canção maléfica de Strike ou similares. todo novo vídeo da Lady Gaga nessa época era um novo mundo se abrindo para os garotos gays de colégio particular e as garotas cis alternativas. toda uma personalidade nova precisava ser moldada a cada três meses a partir do último clipe que ela havia lançado — Paparazzi? grande canção. eu preciso envenenar o meu namorado imediatamente
mas talvez pelo fato de minha identidade de gênero e sexualidade nunca ter sido a combinação homem + gay, eu nunca ultrapassei nenhum limite com o meu amor pela Lady Gaga. era tudo normal. pode-se dizer que eu fui uma tiny monster, talvez, mas esse termo é imbecil e eu acabei de inventá-lo: eu era só uma pessoa que gostava da Lady Gaga, assim como hoje em dia eu gosto muito da Olivia Rodrigo mas não o suficiente para ir assistir um show dela em Curitiba. digamos assim: se a Lady Gaga fosse fazer um show em Tubarão no auge do seu sucesso, eu assistiria. mas se fosse em Florianópolis, eu inventaria alguma desculpa para mim mesma e não iria. “ah,” eu falaria. “o ingresso está caro e eu tenho aula no dia seguinte”. seria mentira? não. mas quando você não quer alguma coisa, seu cérebro inventa qualquer coisa para fugir daquilo
e assim, a Lady Gaga esteve de volta em vários momentos. eu estava lá e eu lembro quando ARTPOP era o retorno triunfal à música pop após um segundo disco de standards com o Tony Bennett, e todo mundo acabou só gostando de Applause e ignorando quaisquer outras faixas que estavam no álbum. talvez ela também tenha um certo desdém com o próprio público — ou ao menos tenha tido em vários momentos da carreira. ARTPOP não é ruim, mas ainda é um disco da Lady Gaga. você escuta e consegue entender como isso faz parte da vida e obra da personagem Lady Gaga. quando você escuta Joanne e assiste Nasce uma Estrela estrelando Bradley Cooper, você começa a ver essa mulher como um ser humano de verdade. talvez seja quando a magia acaba. Million Reasons é uma das músicas que eu mais detesto no mundo. não tem problema. era o que a Stefani queria fazer
é tipo aceitar participar de Coringa: Delírio a Dois — uma grande película, inclusive. eu nunca assisti o primeiro Coringa porque eu não sou contra o cinema como forma de arte, mas Delírio a Dois é perfeito porque é exatamente o que o público do primeiro filme não queria. é óbvio que tudo isso foi feito para irritar o maior número possível de pessoas, e há uma beleza sublime nisso tudo. eu fico fascinada quando um artista sente um ódio enorme das pessoas que apoiam seu trabalho. é uma relação tudo-menos-mútua: a adoração de um lado e a fúria de outro, praticamente sem espaço para qualquer outro sentimento. eu ainda não assisti Hundreds of Beavers, mas tenho certeza que não existe uma punchline mais engraçada no cinema dos anos 2020 do que a primeira vez que Joaquin Phoenix começa a cantar For Once In My Life enquanto assiste televisão na cadeia. eu consigo imaginar expressões horrorizadas nas salas de cinema e isso é lindo. e isso é Lady Gaga. e isso é o futuro. Casa Gucci era apenas o início
Mayhem é o sexto álbum de estúdio da cantora italiana Lady Gaga — se você ignorar os três discos de standards com o Tony Bennett, as trilhas sonoras de Nasce uma Estrela e Top Gun: Maverick, o bizarro Harlequin com aquela versão hilária de Oh When the Saints, a trilha sonora de Coringa: Delírio a Dois que não é a mesma coisa de Harlequin, o Dawn of Chromatica que apesar de ter a Lady Gaga não é um álbum da Lady Gaga e o Joanne, porque ele é ruim. é aquilo: mesmo se eu nem sempre vou ficar obcecada com um novo projeto da Lady Gaga, mesmo que eu nem sempre ame Coringa: Delírio a Dois, mesmo que John Wayne seja patética, eu sempre vou dar uma chance. eu sempre quero saber o que ela vai fazer, mesmo se não for nada novo. mesmo se eu já tiver escutado isso em outros lugares. é a Lady Gaga. todo o negócio dela é ser uma personalidade interessante
e eu acho que isso me cativou nessa nova era: ela é interessante. quando o primeiro clipe do seu disco é uma referência quase-que-direta a Unedited Footage of a Bear, aquele clássico infomercial do Adult Swim dirigido por Alan Resnick e Ben O'Brien, eu imediatamente prestarei atenção em tudo que você fizer. eu nem sequer consigo lembrar qual o último lead single da Lady Gaga que me fez sentir alguma coisa — desconsiderando o ódio que eu sentia por Perfect Illusion. Disease é incrível. é Lady Gaga ao mesmo tempo em que cruza uma divisa e se torna algo não-Lady Gaga, mas que ao mesmo tempo novamente faz total sentido ser feito pela Lady Gaga. ela é clubber, ela escuta Nine Inch Nails e assistiu o clipe de Happiness In Slavery. mas ela não queria fazer tudo aquilo também
tudo bem, em alguns momentos Mayhem é meio engraçado. eu não sei exatamente qual a suposta canção da Taylor Swift que todo mundo está falando (mal) sobre, mas imagino que seja How Bad Do U Want Me — e se for, é verdade mesmo, e não tem problema porque Taylor Swift está presente em todos os lugares. eu poderia passar horas falando sobre a última faixa ser a hilária Die With A Smile — if the world was ending i’d não sei o que sei lá —, mas eu não quero falar sobre isso agora. parece um resquício de outras eras, sabe? quando um artista era obrigado pela gravadora a produzir um disco inteiro porque um single avulso, solto e aleatório acabou quase que sem querer chegando ao topo das paradas. Santana — Smooth (feat. Rob Thomas) para uma nova geração. nenhuma música em Mayhem é tão boa quando Smooth (feat. Rob Thomas), mas tudo bem. nenhuma música no mundo é
escutar Mayhem na pista realmente ajuda o disco inteiro a fazer sentido, coisa que Chromatica não chegou a ter a oportunidade — aconteceram coisas muito estranhas em 2020 que impediram isso. é lindo como Garden of Eden é quase bloghouse: uma canção diretamente transplantada de 2008 e inserida na terceira faixa de um disco de comeback da Lady Gaga. Vanish Into You tem toda aquela vibe dramática de theater kid que sempre eleva as suas canções a um outro patamar e Killah é literalmente aquele disco do David Bowie. não, não esse. também não é esse. eu estou falando do que tem I'm Afraid of Americans. nesses tempos confusos e difíceis em que vivemos, o mundo precisa de um drum and bass ultrapassado
Mayhem é a volta de Lady Gaga e a Lady Gaga de volta. a Lady Gaga que todos esperavam e a Lady Gaga que todos queriam. eu não sei o quão autêntica é essa era, mas eu também não sei se isso importa tanto assim: os fãs estão felizes. os fãs estão felizes. ninguém faz tanta questão assim de assistir a sequência de Coringa e algumas pessoas podem fingir gostar muito de um cover de Close to You cantado por uma ex-loira, mas o povo quer doze variações de Zombieboy e nada de novo. não há nenhuma conclusão para se chegar nisso: podemos tentar analisar profundamente o que levou Lady Gaga a produzir Mayhem, mas também podemos não fazer isso. podemos viver em um limbo onde não se questiona a música pop. tem vezes que é mais fácil. todo mundo está feliz? perfeito. que continue assim. desligue o cérebro. a HBO está produzindo uma série de Harry Potter. a segunda temporada de Wandinha está chegando. você viu o último episódio de Ruptura?
e o mais importante de tudo? a Lady Gaga fica linda de cabelo preto. inclusive, lembrando agora que eu pintei o cabelo de preto em dezembro por influência dela. talvez no fundo eu seja uma little monster. eu só não descobri ainda
Eu gostei do disco, mas ouvi enquanto ajudava a minha mãe a organizar aspectos específicos do doutorado dela. Não desgostei não. Faz muito tempo que não escuto nada da Lady Gaga, mas sempre terei um carinho infinito porque a crise de meia idade do meu pai era basicamente ele ouvindo Lady Gaga alto no carro. Em 2011 eu comprei um CD de The Fame pra ele entender que tava tudo bem.
eu como alguem que descobriu a gaga o clipe de just dance estreou no canal 23 (finada MTV) e gosto muito da track de todo mundo odeia o chris, amei o album.
off sou mt fã dela de vdd, é meio louco pensar na maioria das vezes parece que ela é a última gota de esperança de que a criatividade humana existe nesse contexto onde tudo é AI degenerated -- ou em epocas onde todos soam os mesmos