eu destruirei vocês #106: modelos 3D de dinossauros
cartões telefônicos & o novo mirante de Criciúma
é engraçado ser paradoxalmente uma idosa decrépita e também a pessoa mais jovem do mundo. ao mesmo tempo em que eu usei internet discada durante boa parte da minha infância, eu adoro a Olivia Rodrigo. eu assistia Tots TV na TV Cultura todas as tardes mas mesmo assim, eu vejo cortes de lives do Orochinho. eu lembro do Emerson Leão técnico da seleção brasileira e também tenho nove anos de idade. mas uma coisa eu sei — ou melhor, não sei. pra que diabos servia um cartão telefônico?
ok, eu consigo mais ou menos imaginar a função dele se eu levar em conta todo o contexto em volta da existência desse objeto. acredito eu que ele servia algum propósito relacionado aos chamados orelhões, monumentos reservadamente ovais que inundavam os centros das grandes metrópoles como vacas da Cow Parade pintadas por Romero Britto. pelo que eu descobri pesquisando na enciclopédia Barsa, eles serviam para você realizar ligações telefônicas — aquela coisa que você fazia no seu celular antes do oceano encher de telemarketing, golpes e golpes de telemarketing
mas mais importante do que pra que esses cartões telefônicos serviam era toda a estética do negócio. eu fui uma criança muito estranha: eu sempre adorei qualquer mídia física que estivesse disponível na minha casa. eu adorava mexer nos discos de vinil do Elvis Costello do meu pai e do Julio Iglesias da minha mãe, eu era fascinada pelas fitas VHS de jeep no rack da televisão e eu amava ficar passeando pela coleção de cartões telefônicos que a minha mãe, por algum motivo, cultivava
e essa era uma coisa comum de se colecionar na época, né? talvez porque era algo que você precisava comprar de qualquer jeito pra poder usar um orelhão — eu acho — e que normalmente trazia umas artes interessantes. se você parar pra pensar, a alternativa a não colecioná-los era jogar eles fora, e o mundo já está cheio demais de lixo. eu vou comprar um álbum fotográfico e colocar todos os meus cartões organizados por ano lá dentro que eu ganho muito mais
ah, e milagrosamente essa coleção específica ainda existe — e não apenas no meu coração
de fato, eu ainda me divirto muito simplesmente folheando uma quantidade altíssima de cartões telefônicos. ser aficionado por cards é quase um instinto humano — basta ver a popularidade duradoura dos álbuns de figurinhas da Copa do Mundo, os photocards de membros do Stray Kids e as cartinhas de Super Trunfo com animais da savana. talvez nossos ancestrais eram fascinados por algum objeto que tivesse esse exato formato e isso acabou sendo passado de geração em geração através dos milênios. quem sabe existia um peixe muito pequeno, fino, retangular e com bordas arredondadas há 3 milhões de anos
ou quem sabe essas paisagens só sejam meio bonitas. uma parte considerável dos cartões telefônicos da época possuía imagens meio poéticas, fotos lindas de lugares igualmente lindos em diversos pontos do Brasil ou, no caso dos cartões da Telesc, de Santa Catarina — o que faz muito sentido se você considerar tudo que eu acabei de dizer. realmente há algo nessas fotos que me transporta para outro lugar, outra época, um papel de parede padrão do Windows XP, uma capa de fita cassete de hypnagogic pop lançado via mail order em algum blog obscuro em 2009, uma ilustração em um livro dos anos 1960 sobre geografia. tempos que não voltam mais
e também existiam aquelas coleções mais lúdicas, mais divertidas, mais inusitadas — tipo um monte de modelos 3D de dinossauros. eu não sei exatamente se essa foi uma coleção disponível em todo o território brasileiro ou se foi especificamente lançada apenas em Santa Catarina — a logomarca da Telesc me faz acreditar na segunda opção, enquanto a logomarca da LigMania na parte de trás do cartão me faz pender para a primeira
de qualquer modo, eu preciso repetir: modelos 3D de dinossauros. cada um deles é menos amedrontador e mais patético do que o anterior. nem mesmo os fundos cheios de fogo e raios pode me fazer acreditar que essas lagartixas verdes fariam qualquer mal para mim. é só olhar as texturas, sabe? tenho plena consciência de que isso não são dinossauros reais, mas sim representações de um dinossauro que eu veria em um pesadelo no qual fui transportada para o século XII — e por alguma imposição do meu subconsciente, haviam dinossauros lá
mamãe, por favor. eu necessito do cartão telefônico do Drowzee. sem isto jamais serei feliz, mamãe
é bem alto
o novíssimo Mirante Realdo Santos Guglielmi, localizado em Criciúma
desde os tempos mais primórdios, a cidade de Criciúma possui várias coisas. existem avenidas, ruas, estabelecimentos comerciais, parques, praças, becos, dois estádios de futebol que abrigam partidas profissionais e um número quase infinito de pessoas. existem algumas coisas que Criciúma não possui, porém. um supermercado 24 horas, com funcionários sendo forçados a trabalhar em horários desumanos para que algum bêbado possa comprar uma unidade de Paçoquita às 3:47 da manhã? isso não tem. um pop-up shop instagramável da Sanrio que vende pudins & outros doces com o rosto do seu personagem gótico favorito da My Melody — e que também é 24 horas? não temos. um mirante que lhe permite ver toda a cidade do alto? ah, na real, agora tem isso sim.
o Mirante Realdo Santos Guglielmi, localizado no Morro Cechinel, foi inaugurado no dia 4 de novembro de 2023. a estrutura possui mais de 30 metros de altura e abrange uma área de 657,42 m², e de acordo com dados do portal de obras da Prefeitura de Criciúma, o investimento para a conclusão do projeto foi de R$ 4.219.628,86. de acordo com minhas pesquisas, Realdo Santos Guglielmi foi um empresário rico da cidade que eventualmente faleceu — como acontece com boa parte das pessoas. basicamente, o mirante leva seu nome porque ele foi rico
acima de tudo, o mirante de Criciúma permite aos visitantes observar boa parte da cidade de Criciúma do alto de seus 30 metros — exceto o ignoradíssimo Rio Maina, cuja vista é bloqueada por uma floresta irritante que provavelmente será desmatada pela administração municipal na primeira oportunidade. de lá do alto, você consegue ver o município de Içara, um pouquinho do Caravaggio e ter uma parca visão do mar do Rincão — popularmente conhecida como a praia de Criciúma.o ingresso de entrada custa 10 reais e o pagamento é feito apenas por Pix, em uma das áreas com pior sinal de celular em toda a cidade
mas a verdadeira beleza do mirante é quando você está lá em cima e seu cérebro começa a dissociar. você começa a pensar consigo mesmo qual é, afinal, o propósito de um mirante. por que se deve gastar 4 milhões de reais construindo uma estrutura muito alta que você sobe e depois, eventualmente, em algum ponto do dia, precisa descer? ora, é porque isso não é um mirante de verdade. é um obelisco. é um monumento. isso serve exatamente o mesmo propósito de uma pirâmide no antigo Egito.
o mirante de Criciúma serve para você lembrar da existência de Clésio Salvaro. é por isso que ele é visível de todos os pontos da cidade: você deve olhar pra ele diversas vezes ao dia e, se possível, prestar suas reverências ao prefeito. e isso é verdade sobre absolutamente todas as obras turísticas realizadas na cidade de Criciúma nos últimos dez anos: todos os parques e praças reformados e posteriormente envoltos por grades para nenhum jovem se divertir em horários inadequados, a Travessa Henrique Lodetti sendo coberta e espantando 90% dos comerciantes que ali trabalhavam, uma semi-inútil passarela que estão tentando construir no meio da Avenida Centenário — tudo isso serve para você adorar a administração do PSDB. é muito fácil ter 80% de aprovação nessa cidade. é só construir um monólito no centro da cidade que todos irão lhe adorar para sempre
mas apesar de tudo, uma coisa é fato: o mirante é bem alto.
essa segunda-feira teve uma nova edição exclusiva pra assinantes da eu destruirei vocês! escrevi sobre os piores desenhos animados da minha infância — porque nostalgia é fake — e um projeto turístico megalomaníaco na cidade de Nova Veneza/SC. a programação do Jetix era um completo lixo
estou fascinada que depois de mais de uma década ouvindo falar sobre o projeto, o documentário EarthBound, USA finalmente saiu. isso aqui é da época do meu auge de vício na série Mother, lá por 2011. jamais pensei que realmente assistiria
vocês podem discordar, mas The Black Angel’s Death Song é sim a melhor canção do The Velvet Underground & Nico. outras opções aceitáveis são European Son e Heroin. a escolha normie é Sunday Morning
tem uma filha de uma prima minha que é neta do Realdo, espero que a justiça entenda que com isso eu deva herdar toda a fortuna dele
Eu nunca achei que precisava tanto saber sobre um mirante em Criciúma