eu destruirei vocês #113: desrespeitando direitos autorais
o mundo da pirataria e um Yoshi magrelo
existir no Brasil é ter contato com a pirataria a partir do momento em que você nasce — e eu nem estou falando de trocas de bebês na maternidade. a arte de roubar propriedades intelectuais permeia basicamente tudo em nossa sociedade: alguém da sua sala de aula vendia cópias piratas de Summer Eletrohits volume 1 e 2 por cinco reais, o frentista do posto de combustível em que seus pais abasteciam o carro possuía uma maleta secreta com os últimos lançamentos de Hollywood gravados diretamente do cinema com uma Cyber-shot DSC-W30 e o seu primo da cidade grande jogava sempre com o Paysandu no Ronaldinho Soccer 97 — talvez porque ele achava o nome engraçado e nada mais
a beleza da pirataria chegou muito cedo em minha vida. quando eu tinha cinco anos de idade, ganhei o meu primeiro videogame: um PolyStation. quer dizer, eu não tenho certeza se era realmente um PolyStation original ou apenas uma cópia barata da cópia, mas o fato é que era um console extremamente pirata com uma quantidade limitada de jogos igualmente piratas de NES/Famicom. o Super Mario Bros. original estava lá, acredito que o Super Mario Bros. 2 também estava, mas acima de tudo o videogame vinha com uma arminha. eu podia atirar em quantos patos eu quisesse no Duck Hunt, e nenhum console original disponível para compra no ano de 2001 me proporcionava isso. nunca existiu uma arminha sequer para Nintendo 64 e por isso nunca fizeram um Metroid 64
e a partir do momento em que a internet entrou em meu mundo, uma porta enorme se abriu — a da internet. meio que a grande função dessa ferramenta, desde o seu início, foi a troca de informações, e a questão de se existiam quaisquer direitos autorais atrelados a essa informação era completamente irrelevante. não tinha problema nenhum você compartilhar os arquivos que quisesse por qualquer programa ou site pois a internet era uma terra livre — até o momento em que o Metallica decidiu que não gostava disso e foi atrás de processar todo mundo. não que isso tenha impedido qualquer proliferação de qualquer conteúdo na rede mundial de computadores. pelo amor de Deus, longe disso
toda pessoa tinha um software favorito para baixar músicas em 2005, e o meu era o Limewire — o que já me coloca em uma categoria meio indie desde criança. eu usava também o Kazaa, escolha preferida de 9 entre 10 brasileiros, mas era quase impossível encontrar as músicas que eu queria por lá — no caso, canções folk estadunidenses dos anos 1970 que apareceram uma vez em um episódio de Simpsons. eu não conseguia encontrar as melhores do James Taylor e o one-hit da one-hit wonder Janis Ian de jeito nenhum, mas a quantidade de remixes de Luka — Tô Nem Aí disponível no Kazaa era absolutamente insalubre
e como essa era uma época de internet discada na minha casa, eu não tinha tanta coisa assim para acessar. como é de conhecimento geral do povo brasileiro, eu morei em um sítio meio isolado da sociedade até meus quinze anos de idade — e você pode ter certeza que isso não afetou em absolutamente nada minhas habilidades sociais. eu demorava dias para conseguir baixar o comercial da Pepsi em que Britney Spears, Beyoncé e Pink cantavam We Will Rock You, e jamais esquecerei do dia em que esperei três horas para baixar a demo de Big Brother Brasil: O Jogo e meu primo mais novo tirou o computador da tomada quando estava no 97%. era uma existência repleta de sofrimento
fomos ter uma conexão de internet não-patética só na metade de 2007, quando o mundo inteiro já estava acostumado a assistir vídeos no YouTube, coisa que eu só conseguia fazer quando comprava 30 minutos em uma lan house. mas foi nesse momento em que tudo mudou: uma conexão de 600kbps era exatamente o que eu precisava para finalmente baixar filmes, jogos e toda forma de mídia existente. episódios legendados de South Park em formato .rmvb, MP3s em baixa qualidade da discografia dos Beatles, um torrent do primeiro jogo do Strong Bad lotado de vírus que destruiu o meu computador. tudo era belo. a destruição pode ser bela também
tenho ótimas memórias principalmente dos trackers privados dessa época — sites de torrent meio secretos que você só entrava mendigando um convite pra alguém mas que continham basicamente tudo que existe. eu não lembro como exatamente consegui entrar lá, mas eu tive uma conta no what.cd até a aniquilação total do website em 2016 e existem poucas coisas que eu tenho mais saudade no mundo do que esse portal. é que ele continha uma quantidade absurda de músicas, softwares e livros — mais de dois milhões de torrents, com basicamente todos os álbuns do planeta Terra disponíveis para download nos mais diversos formatos. foi nessa época que eu descobri que havia algo chamado Ogg Vorbis e tudo mudou para sempre.
hoje em dia, infelizmente, a pirataria é menos difundida do que nos anos 2000 — ela não sumiu, longe disso, mas a maioria das pessoas parece estar contente com o catálogo da Netflix e não quer correr atrás de qualquer outra coisa que possa ser diferente. em alguns sentidos ela piorou, em outros melhorou: é muito mais fácil encontrar PDFs do livro que você quiser e certos softwares peer-to-peer ainda trazem um número enorme de discos em FLAC — mas chegou um tempo em que isso é coisa só pra nerds. gente normal diria que é coisa de nerdola ter uma biblioteca musical no computador quando o Spotify existe, e de certo modo eu concordo, mas eu tenho esses arquivos desde 2009 e já estou apegada emocionalmente a eles
meus .mp3 da versão stereo de Pet Sounds baixados no The Pirate Bay há mais de uma década podem ter apenas 128kpbs, mas não tem problema. eu os amo mesmo assim. às vezes um filho nosso nasce burro. não tem muito o que fazer
olá! essa segunda-feira trouxe uma nova edição da ‘eu destruirei vocês’ exclusiva para assinantes — quer dizer, quem trouxe fui eu, mas a segunda-feira também ajudou no processo.
nessa edição #X31, escrevi sobre o novíssimo Snickers de morango, que vem assolando as lanchonetes de todo o Brasil, e os três novos discos do músico experimental James Ferraro — desculpa por isso.
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santas são superestimadas: para mim, o maior milagre da história da humanidade ocorreu em julho de 2020. o vazamento de uma quantidade absurda de arquivos da Nintendo não necessariamente mudou a vida de todos, mas trouxe muito mais diversão àqueles momentos em que tudo que eu quero é entrar no website The Cutting Room Floor e pesquisar por horas sobre texturas, sons e mapas de diferentes jogos que nunca foram utilizados. é um fascínio quase sem explicação, porque a maioria das pessoas acharia isso meio chato e desinteressante. mas pra mim, não tem nada mais legal do que descobrir que o Yoshi era magrelo no início do desenvolvimento de Super Mario World
sério, olha que bicho mais desengonçado. é um personagem tão feio, tão mal-diagramado que eu nem consigo imaginar essa criatura pegando uma raquete de tênis ou um taco de golfe pra participar dos jogos de esporte da franquia. eles teriam que reviver o Donkey Kong Jr. só pra impedir esse indivíduo de ter qualquer destaque no universo de Mario. é um dinossauro mas é um dinossauro feio, horroroso, com cara de desmiolado — e eu sei, eu tô ligada que todos os filhos de Deus merecem respeito, mas um negócio desses não tem perdão.
mas aí eu tento pensar um pouco no lado do Yoshi também. pode ter sido um momento difícil na vida dele. é possível observar nesses sprites que o encanador Mario claramente dava um socão em sua cabeça para que o dinossauro-soltador-de-fogo soltasse, de fato, fogo. na versão final de Super Mario World, isso foi mudado e o Yoshi gordinho e rechonchudinho, tão amado por fãs do mundo todo, não sofria mais abusos físicos de seu dono
é como se ele tivesse conseguido dar a volta por cima. o período de Yoshi desnutrido e agredido como um animal de circo pré-legislações-contra-isso já se foi. ele agora é um bichinho feliz, alegre, risonho e que, acima de tudo, consegue correr de kart tão bem quanto qualquer humano. às vezes isso é o mais importante
Eu jurava que nunca mais veria uma pessoa que jogou (ou lembra que jogou) a demo do Big Brother Brasil: O jogo.
Uma das minhas maiores tristezas é lembrar do dia que meu pai apagou minha coleção de 20 gb de um blend perfeito de rap californiano e heavy metal finlandês sobre coisas tolkienescas em 320 kbps.
gente... essa news me levou de volta para o começo dos anos 2000. quanta nostalgia! adorava o yoshi, principalmente os coloridos. já o tempo de baixar os torrents, cruz credo! dias e dias para baixar um simples mp3.