eu destruirei vocês #116: fazer um lê lê lê
uma música do Gusttavo Lima e Sevilha tentando sediar as Olimpíadas
todos os dias, a sociedade nos enfia certas coisas goela abaixo. binarismo de gênero, misoginia, novelas do Walcyr Carrasco — coisas que parecem nos querer forçar a encaixar em algum molde, algum tipo de padrão. e é por isso que, desde o rock clássico do Led Zeppelin até o pop deprimente de Luísa Sonza, as estações de rádios querem muito que nós escutemos o que eles propõem. é a tal indústria cultural — faça um semestre de Publicidade & Propaganda para aprender mais sobre isso. depois pode trancar, esse é um curso completamente inútil
é essa força que obrigou você a ter escutado diversas canções diferentes da péssima dupla sertaneja Maiara & Maraisa, por exemplo. existe toda uma indústria que exige que você ouça constantemente canções tenebrosas com nomes do tipo Sorte Que Cê Beija Bem — são propagandas nos intervalos da Rede Globo, aparições no Encontro sem Fátima Bernardes e ads impossíveis de pular no YouTube, tudo planejado milimetricamente para você escutar a canção. se dependesse de mim, eu jamais conheceria Medo Bobo. e eu seria muito mais feliz
mas qual exatamente é o problema do sertanejo universitário? sem entrar em questões fascistas e sobre fascismo, eu sinto que ele é um gênero que foi interessante apenas em algum ponto do início dos anos 2010, com os Ai Se Eu Te Pego da vida fazendo sucesso por todo o mundo — e se uma música originalmente escrita pelo grupo Cangaia de Jegue faz um sucesso estrondoso na Romênia, é porque ela tem sim algum mérito artístico. Camaro Amarelo, Balada (Tchê Tchê Rere) e canções similares são o mais próximo que o Brasil chegou do bubblegum pop pós-advento e eventual sumiço da Jovem Guarda
após isso, porém, o sertanejo universitário entrou em um processo de cristalização que transformou o gênero em algo um pouco mais sério — e consequentemente, mais chato. Luan Santana não se importa mais com meteoros e outros fenômenos astronômicos: ele se importa em fazer músicas com mais de quatro minutos de duração. com as mudanças na sociedade, João Neto & Frederico não querem mais fazer um lê lê lê. é um processo parecido com o que aconteceu com o rock entre os anos 1960 e 1970 — o que significa que é uma música questão de tempo até surgir o King Crimson do sertanejo universitário
mas afinal, existem coisas boas nesse gênero tão odiado por pessoas chatas & amado por pessoas normais e mais chatas ainda? claro que sim. existe Apelido Carinhoso
que bom que o fascismo não existe no Brasil — nem nunca existiu — e podemos discutir a vida e obra de Gusttavo Lima sem nenhuma nimbostratus por cima de tudo. então, ele é péssimo em todos os sentidos — não se pode confiar em um homem com dois T no nome. mas de vez em quando, ele encontra pelas andanças da vida algum compositor talentoso e acaba gravando uma música boa quase que sem querer
lançada em dezembro de 2017, Apelido Carinhoso é aquele negócio de sempre: é uma música sertaneja sobre um amor que foi embora. outros gêneros de música sertaneja incluem músicas sobre um amor que nunca foi seu & músicas sobre alcoolismo. Apelido Carinhoso se destaca, porém, por ser linda. quando você para pra analisar o negócio, vê que o sentimento descrito nessa canção é belíssimo.
uma coisa precisa ser dita: os caras estão certos mesmo. um apelido carinhoso é mais difícil de esquecer. existe um trilhão de modos de dizer que você sente falta de uma pessoa, e esse é um dos jeitos mais bonitos que alguém já verbalizou esse sentimento. e isso nem está ligado somente a relações amorosas — existem palavras, sons, lugares que são um gatilho para você relembrar de algum momento impactante da sua vida — nos sentidos bons, ruins e entre os dois.
um apelido carinhoso é mais difícil de esquecer. uma música é difícil de esquecer. um cheiro é difícil de esquecer. um filme é difícil de esquecer. algo que só faz sentido para você é difícil de esquecer. ainda não me chame de meu nego, ainda não me chame de bebê. ainda não assista Twin Peaks comigo. eu assisti quando estava no ensino médio. e eu tenho muitas questões relacionadas ao ensino médio
e o melhor de tudo é que Apelido Carinhoso não teve contribuição criativa alguma de Gusttavo Lima. esse homem tão Gusttavo Lima apenas empresta sua voz à canção. ele nada mais é que o recipiente dessa música. ela existiria do mesmo modo sem a presença dele na Terra. eu poderia fazer uma versão de inteligência artificial com o Thom Yorke cantando que tudo seria a mesma coisa. felizmente, Gusttavo Lima é completamente inútil para os propósitos dessa música.
e eu nem preciso dar um stream no Spotify ou uma visualização no YouTube para ele ganhar ainda mais dinheiro: eu posso só cantar Apelido Carinhoso nos meus pensamentos. vocês já pensaram em como a mente humana é a ferramenta mais poderosa que existe? apesar de talvez existir um conflito de interesses nessa teoria, que foi criada pela própria mente humana. sua importância talvez esteja sendo inflada por ela mesma. mas o fato é que um apelido carinhoso é difícil de esquecer
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resiliência
as tentativas de Sevilha sediar as Olimpíadas
para algo que é tão importante para a longevidade afetiva de um evento esportivo, a sensação que eu tenho é que até pouco tempo atrás, as maiores confederações de esportes do mundo pareciam não se importar muito com a identidade visual de coisas como as Olimpíadas e a Copa do Mundo. hoje em dia, vivemos em uma época em que a FIFA organiza um mega-evento em Los Angeles para anunciar a logomarca da Copa do Mundo de 2026, com lendas do esporte, pirotecnia e dançarinos jovens — mas até pouco tempo atrás, a sensação é que eles simplesmente chamavam o sobrinho do presidente da entidade e deixavam ele fazer qualquer coisa no GIMP. por exemplo, tenho certeza que a logo das Olimpíadas de 2008 foi criada assim
mas assim, as Olimpíadas de 2008 pelo menos foram um evento que aconteceu, correto? os livros de histórias e registros fotográficos mostram que ele de fato ocorreu — só que antes dele desenrolar-se, houve um processo longo e chato para definir, de fato, em qual lugar do mundo tal evento ocorreria. nesse caso, isso ocorreu entre os anos de 2000 e 2001. ao todo treze cidades ao redor do mundo se candidataram a receber os Jogos Olímpicos de 2008, um número recorde — e cinco dessas cidades foram rejeitadas pelo Comitê Olímpico Internacional logo de primeira por não possuírem o mínimo de infraestrutura necessária pra receber um evento dessa magnitude: Bangkok, Cairo, Havana, Kuala Lumpur e Sevilha. e só a logomarca que essa última cidade tentou usar já demonstra uma total inaptidão para qualquer coisa olímpica
complicadíssimo isso aqui. o melhor que eu posso dizer é que eles ao menos não utilizaram Comic Sans na marca — mas que chegaram perigosamente perto, isso chegaram. imagine você sendo um integrante do COI e recebendo uma pasta de documentos sobre essa cidade que quer sediar o evento esportivo mais importante do universo — e a capa possuí esta logo. você rejeitaria os caras direto, na hora, sem nem perguntar mais nada. é tipo colocar em um currículo que você possui experiência com o Bloco de Notas do Windows
isso sem falar no design dela em si — um 0 e um 8 entrelaçados. certamente há algum significado por trás destes dois símbolos serem usados, mas eu não quero saber qual é porque isso aqui é horrendo. isso não faz o menor sentido estético. porque os dois algarismos não estão centralizados? não sei. porque as cores são tão feias? não sei também. porque o 0 toca no 8 do 2008? não faço ideia, mas me irrito profundamente com esse erro. só porque é em 2008 as Olimpíadas não precisa ser um 0 e um 8, sabe? não precisa ser tão preguiçoso. essa logomarca me dá raiva e a partir de agora eu odeio a Espanha
em 2012, a cidade tentou de novo sediar as Olimpíadas — e não cometeu exatamente o mesmo erro, mas cometeu um quase pior. tudo que fizeram foi trocar no Paint os dois números finais e pronto, já tinham uma logo pronta — exceto que continuaram com o 0 e 8 e não trocaram por um 1 e um 2. seria extremamente simples fazer uma alteração assim, mas aparentemente era trabalho demais para o comitê organizador. dessa vez eles não foram escolhidos nem mesmo pelo Comitê Olímpico Espanhol, que decidiu que fazia muito mais sentido tentar colocar Madri como candidata do que um cidade notoriamente fracassada. com todo o maior respeito que eu tenho à Sevilha, a capital mundial da Europa League e das logomarcas horrorosas
e em 2004, rolou isso também. aí complica mais ainda. isso obviamente é a logomarca de uma ONG para crianças de Uberlândia/MG — ao menos espiritualmente. fui atrás pra tentar entender porque fizeram isso com a coitada da cidade e aparentemente essas flores são uma das marcas registradas da região da Andaluzia, que é onde fica Sevilha — basicamente, os moradores colocam essas flores em potes que ficam nas paredes de fora das casas e é bonito. é uma bela decoração. mas foda-se, pois essa logomarca é lastimável
não gosto de dizer que toda arte que eu não gosto parece ter sido feita por criança, mas eu conheço dezenas de designs que parecem ser feitos por crianças que são geniais. assim, pau no cu da naïf art, mas a logo do Amigos da Escola é perfeita e parece sim que foi feita por um bebê — mas isso aqui? isso aqui é só uma flor. não tem nada que chame a atenção positivamente. é só uma… flor. e eu tenho certeza que foi por isso que a candidatura de Sevilha não foi pra frente, e não por causa dos inúmeros problemas estruturais da cidade
e falando nas Olimpíadas de 2004, essa foi a logomarca da candidatura de Estocolmo. não quero falar sobre isso hoje senão eu vou enlouquecer
o problema do sertanejo universitário é que ele nunca se forma. e, misteriosamente, nunca é jubilado.
maravilhosa edição. amei.