talvez não pareça que passou tanto tempo assim, mas quando eu era criança, a MTV tocava música de vez em quando. claro, em minha época de telespectadora contumaz do canal, a partir de 2004, ele já havia se tornado algo primariamente de entretenimento — já era mais uma questão optativa se os programas seriam ou não sobre música. um Balela MTV, por exemplo, não era sobre música, exceto nas vezes em que elas anunciavam o quadro clipe girl power e mostravam um vídeo do Hole, Alanis Morissette ou Le Tigre. e de vez em quando, elas destruíam a sua mente de dez anos de idade com um clipe das Sleater-Kinney
eu possuo memórias muito vivas de uma viagem à cidade de Brusque, no Vale do Itajaí, em 2004. por alguns anos da minha infância, minha família decidiu por algum motivo misterioso transformar quase em tradição uma ida anual ao município-sede da Festa Nacional do Marreco — exceto que nunca era na época da tal Fenarreco. foram uns três anos seguidos indo sempre para o mesmo hotel e fazendo sempre as mesmas coisas: comprando roupas para todo mundo nas inúmeras lojas de confecção da cidade, visitando a maior Havan do Brasil em uma época que nem sequer se cogitava que o dono da Havan fosse o filho da Lula e… olha, eu vou te falar a verdade, minhas melhores memórias dessas viagens são todas atreladas à piscina do hotel, aos computadores com internet banda larga do hotel, e à TV a cabo do hotel. era isso que eu queria de verdade
em determinada noite de sábado, em uma dessas peregrinações ao lar do Clube Atlético Carlos Renaux, eu lembro claramente de assistir na televisão do quarto um videoclipe misteriosíssimo. quer dizer, não tão claramente: o que eu me recordava era uma sequência de imagens, flashes passando por minha mente. cinco homens em uma barbearia, um deles com uma máscara de macaco, outro com uma máscara de sapo. o barbeiro corta o cabelo de cada um, coisas engraçadinhas acontecem. há alguns poucos anos, eu descobri que assisti um clipe do Pavement em Brusque
a formação musical de toda uma geração meio abitolada foi completamente influenciada pela MTV. eu, uma criança de 1996, conheci Strokes assistindo o Disk MTV na época do lançamento de You Only Live Once, me apaixonei pelo som independente da banda Leela e tive meu mundo chacoalhado pela supostamente tenebrosa canção Beverly Hills, do grupo norte-americano Weezer — talvez um dos grandes eventos cânone de minha vida.
eu realmente acho engraçadíssimo pensar que eu me tornei uma enorme fã de Weezer em uma das suas piores eras de todos os tempos. Make Believe, o álbum deles de 2005, é ruim: é quase impossível você negar essa informação que, de tão objetiva, não posso nem chamar de opinião. claro, algumas canções ótimas naquele CD: Perfect Situation é um pedaço de pop rock radio-friendly do final dos anos 90 transplantado para os anos 2000 — a One Headlight de Rivers Cuomo —, This Is Such A Pity seria incrível na voz de Pitty e Freak Me Out é uma música sobre ter medo de aranha. mas não existe uma prova maior da existência da síndrome de Estocolmo do que escutar We Are All on Drugs tantas vezes no carro enquanto ia pra escola que eu passo a gostar dela
ao longo dos anos, esse amor pelo pior disco do Weezer — até então — me levou para lugares cada vez mais obscuros. em 2008, a banda lançou a música e, mais importante, o clipe de Pork and Beans — dezenas de memes da internet juntos em um só lugar, como se fosse uma vídeo-paródia do Galo Frito. veja bem, eu era uma adolescente que infelizmente visitava o 4chan, mas unicamente para ver as piadas mais engraçadas da web — que se dane o blog Não Intendo, eu quero o meu conteúdo direto da fonte. o homem do Chocolate Rain está no clipe de uma banda que eu gosto? eles fizeram piada com Mentos na Coca-Cola? eles me entendem?
e no final das contas, esta talvez seja a imagem que mais mudou a minha vida. o /mu/ — fórum de música do 4chan — nunca foi exatamente um lugar convidativo, mas infelizmente aquelas pessoas sabiam muito sobre arte. não sei exatamente quando surgiu essa imagem, quem a produziu, se foi um trabalho em equipe, etc., mas o fato é que ela permeava absolutamente todas as discussões sobre canções naquele lugar — se você nunca ouviu todos esses discos, você não está qualificado para conversar com a gente. sente-se em outra mesa, junto dos perdedores
para essa gente, In the Aeroplane Over the Sea era o maior disco de todos os tempos — uma visão que eu posso não concordar mas que hoje, 15 anos depois, eu aceito sem problema nenhum. essa imagem me fez descobrir que post-rock era um gênero que existia, que The Magnetic Fields era absurdamente genial e, principalmente, que havia um universo de música que eu ainda não conhecia. ela me mostrou que tinha muito mais. e sim, é engraçado ver essa lista em 2024 e perceber que há dois discos do TV on the Radio e um álbum da Tegan & Sara nela, mas naquela época isso era o zeitgeist. quando foi a última vez que você ouviu falar de The Hold Steady? é possível que a resposta seja nunca
nessa época, eram comuns os chamados sharethreads no /mu/ — literalmente tópicos em que as pessoas compartilhavam links para discos que elas gostavam com um pequeno textinho acompanhando as postagens. existiam sharethreads normais e sharethreads obscuros, esses sim os meus favoritos: hoje em dia eu percebo a quantidade de discos da Tzadik, de sunshine pop sessentistas, de power pop noventista que eu conheci a partir desses usuários anônimos apaixonados por música. só espero que atualmente eles não sejam deputados estaduais de Oklahoma ou assessores de Nikolas Ferreira
mais alguém lembra desse cabelo do Anthony Fantano? sinto que a sociedade quer que a gente esqueça, mas eu não consigo esquecer. isso é pra sempre.
cereja e baunilha
Coca-Cola importada
é de conhecimento público o fato de que produtos comumente estão entre as coisas mais vendidas no mundo — e é claro que sim: não existe uma pessoa viva nos dias de hoje que nunca tenha adquirido uma mercadoria. e o capitalismo, bondoso como só, é obcecado em trazer sempre novos artigos ao consumidor: um Trento de limão aqui, um Snickers de bacon acolá, um sabor novo de Coca-Cola que mudará a sua vida. mas e quando o sabor novo de Coca-Cola está disponível apenas em países estrangeiros? e quando o sabor novo de Coca-Cola muda a vida só de pessoas de determinada nacionalidade? bom. é nesse momento que vemos a necessidade urgente de uma revolução
ter um amigo muambeiro é muito bom. você quer comprar um iPad vindo do Uruguai pela metade do preço que ele é vendido no Brasil? um Jack Daniel’s de maçã verde quinze reais mais barato? eu nunca tive depressão. e a melhor parte é que, de vez em quando, ele traz uns sabores absurdamente misteriosos de produtos — tipo uma Coca-Cola de cereja. quer dizer, absurdamente misterioso é uma mentira: eu conheço o conceito de Cherry Coke desde a minha adolescência, já que eu fui uma criança altamente colonizada que sabia coisas demais sobre a cultura dos Estados Unidos da América — nenhuma pessoa brasileira de 14 anos deveria saber o que é um Wendy’s, mas esse é o meu jeitinho
só que sério, imagina: é impossível uma Coca-Cola de cereja ser algo ruim. não é tipo a Coca-Cola de figo da Rosalía: o sabor cereja é inerentemente bom, belo e moral. sabe aquelas balinhas de cereja que vendem no caixa de qualquer mercearia? é o suprassumo da comida, em geral. o alimento perfeito, dádiva dos deuses. e a tal Coca-Cola de cereja, folgo em dizer, tem sim gosto de cereja. eu não tenho certeza se isso é um efeito placebo causado por uma confusão mental ao se aproximar de um objeto importado — uma síndrome de Havana às avessas — mas eu sinto que refrigerantes estadunidenses possuem mais gás do que os produzidos por aqui. ou então o mal-estar pós-consumo foi causado por fatores externos
e uma Coca-Cola de baunilha? aí eu já acho mais complexa a situação. eu penso e sempre pensarei na baunilha misturada com leite — um sorvete de baunilha, um milkshake de baunilha, portanto colocar água com gás & açúcar no negócio pra transformar em um refrigerante eu acredito ser pecado. e dos graves. é tipo fazer suco de banana, ou então uma batida de laranja. misture imediatamente abacate com água: algo certamente vai acontecer. mas ao mesmo tempo, se isso é um dos sabores mais vendidos lá fora, ao mesmo um pouco bom ele deve ser, né? um gringo jamais estaria errado. não é?
eu sei lá, a Coca-Cola de baunilha é muito estranha. é uma Coca-Cola com gosto de baunilha. você se sente errado provando isso, como se não devesse estar colocando algo assim na sua boca — seu corpo clama por uma alface, um arroz, um feijão, mas tudo que ele sente é a baunilha gaseificada passando por todos os seus órgãos. ao menos é assim que eu acho que um corpo humano funciona. se você encontrar este refrigerante em uma loja de importados por um preço absurdamente inflacionado, você deve adquirir? não sei. a vida é sua. eu não quero isso dentro de mim nunca mais
ah, olha só. criaram um híbrido desses dois. eu não quero pensar na existência disso
ei, você viu o novo ícone da eu destruirei vocês? ele é absurdamente perfeito. uma mini-isabela thomé tridimensional? inacreditável. como pode isso.
muitíssimo obrigada, mabel! eu adorei isso de jeitos que não imaginava ser possível
ah, outra coisa! nesse último sábado eu dei uma entrevista na Rádio Cidade em Dia, daqui de Criciúma. falei sobre newsletter, destruição, videogame e… o amistoso Ilhas Faroe x Atlético-MG em 1986. pelo menos um pouquinho eu falei
obrigada Paulo Monteiro pelo convite! caso você esteja lendo isso. caso não esteja, o agradecimento ainda segue.
olha esse abacate que eu achei na frente do hospital. até semana que vem
Oii Isaa, muito legal a entrevista, a partir de agora vou ler sua news com sotaque.
Eu como uma fã do weezer buddy holly posso dizer que se apaixonar pela banda em sua pior era é ótimo, porque o que vier depois disso você só vai amar!
Sobre a coca cola, quando vi a cherry pensei: eca, gosto de remédio!
A de baunilha: hummm interessante!
As duas juntas: Ah não! Por isso eu não esperava! Tudo tem limite!!!!
Bjão!