o sonho de todo brasileiro é ser uma novela do Manoel Carlos. imagine a sensação de ser a orla de Copacabana avistada por Gabriela Duarte e Carolina Dieckmann em uma tarde ensolarada de dia de semana, um café da manhã preparado com muito afeto e carinho pelas empregadas domésticas de Viviane Pasmanter, uma discussão acalorada entre duas mulheres problemáticas e vilanescas — cada uma a seu modo. um Brasil que talvez tenha existido em algum momento, que definitivamente continua a existir, mas no imaginário popular começa a desaparecer: esses signos foram substituídos por um Jeep Renegade, idas semanais ao Madero e blazers em neoprene de cor bege. o sonho do chão de taco está morto
existe todo um subgênero de pop rock feminino dos anos 1990 e 2000 que eu associo fortemente com o conceito trilha sonora de novela das 21h — as canções favoritas da sua mãe, porque ela entende muito mais sobre a vida do que você e sabe sobre as coisas. as Coisas que eu sei? todas. a magnum opus de Danni Carlos — uma mulher com nome de zagueiro do Paraná Clube — possui praticamente todas as características necessárias para ser um clássico do rádio AM. foi praticamente o único sucesso da cantora? sim. possui uma melancolia latente? óbvio. letras levemente crípticas? evidente.
para uma música de barzinho cantada incessantemente por violonistas semi-amadores de todo o país, Coisas que eu sei é meio insana. constantemente violãozinho triste por toda a sua duração de 3 minutos e 52 segundos, as pessoas ficam tão hipnotizadas por essa repetição quase drone que parecem nem sequer perceber que em determinado momento da canção, Danni Carlos afirma, com todas as letras, que compra aparelhos que não sabe usar. eu já comprei. você vê o filme em pausas e imagina casas? ok. você tem TDAH. compra ritalina e/ou cocaína e segue sua vida
é tipo Amor I Love You — calma, espera, não tem absolutamente nada a ver com Amor I Love You. quando você tira essa canção de qualquer contexto televisivo / midiático / publicitário / escolar / cinemático / físico / metafísico, é possível descobrir que ela é sim uma das coisas mais lindas do mundo. todas as propagandas de alvejante, todas as novelas da Record, todas as paródias no Casseta & Planeta, todos as análises da letra na aula de português, quantos fonemas tem o segundo verso? não sei, mas todos vocês estavam certos. isso aqui é especial
talvez não exista uma canção mais acessível que essa. você escuta Marisa Monte falando amor i love you e entende que amor, i love you. Amor I Love You é tão constante na vida do brasileiro desde o seu lançamento no ano de 2000 que você quase se sente estranha escutando ela — é como ir no YouTube escutar o jingle da Liquigas ou pesquisar parabéns pra você no Spotify. se você realmente quiser ouvir Amor I Love You, é só visitar o camelódromo da sua cidade: em algum momento, você escutará a canção emanando de uma estação de rádio sofisticada com um nome tipo Montecarlo FM
ela está enraizada em todos nós, e por isso você até esquece que é absolutamente perfeita — os nossos órgãos funcionam sem a gente precisar fazer esforço também. existe uma letra mais linda que “quer amor, fique aqui”? algo mais celestial que os backing vocals de Juju Gomes e Kacau Gomes? algo mais mágico que Arnaldo Antunes lendo um texto de Primo Basílio? é uma canção possível apenas porque, no começo dos anos 2000, o trio Carlinhos Brown-Arnaldo Antunes-Marisa Monte estava divinamente inspirado. ninguém faz uma Velha Infância sem ajuda de Deus
papo estranho isso aí de “tô com saudade de você censurando o meu vestido”. preferia a época do fora temer
um dos grandes conceitos da humanidade
Tony Hawk’s Pro Skater e seus mistérios
skate: um dos grandes conceitos da humanidade. claro, podem até existir outros meios de locomoção mais vantajosos e convenientes, mas nenhum deles é tão radical quanto esse simples veículo de quatro rodas. é uma ideia tão simples, tão básica que eu considero um absurdo o carro e o avião terem sido inventados antes: como assim ninguém jamais pensou em colocar quatro rodas em um pedaço de pau antes? eu consigo imaginar facilmente um samurai do período Heian performando um bluntslide em frente a algum santuário ou o primeiro Dalai Lama metendo um benihana para delírio de seus fiéis. Jesus Cristo é considerado tão influente para a humanidade porque foi a primeira pessoa da história a conseguir fazer um 900, décadas antes de qualquer outro skatista dito “profissional”
eu nunca tive interesse algum em andar de skate. quando eu era criança, meus hobbies envolviam coisas mais lúdicas e não tão perigosas, tipo comer terra e chorar por não poder comer terra. parecia que meu cérebro tinha vindo de fábrica sem aquela parte essencial para todo jovem que o faz gostar de Charlie Brown Jr. e usar boné — eu até escutava Tamo AÍ na Atividade quando passava no Disk MTV, mas não havia em mim a gana de ir atrás de qualquer coisa chamada Transpiração contínua prolongada.
eu só consegui entender o apelo de toda essa cultura quando ganhei um PlayStation 1 e adquiri de modo ilegal o game Tony Hawk's Pro Skater 2. agora eu te entendo, Chorão. eu também tô aí na atividade
sei lá, sabe? skate. todos os melhores videogames são aqueles que decidem jogar fora todo o realismo e se agarrar em um conceito mais fantasioso — por isso coisas como The Last of Us são tão odiadas por mim. absolutamente todo mês há uma história de zumbi nova sendo lançada com gráficos insanos e jogabilidade quasi-real e diversão nula — não que um videogame precise ser 'divertido’ para ter qualquer valor, mas um simulador de futebol que permite dar carrinhos no goleiro sem receber cartão vermelho sempre será superior a um jogo que introduz VAR como se isso não fosse fascismo
e a série Tony Hawk’s Pro Skater entende isso incrivelmente bem. é quase um Wario Land dos jogos de esportes radicais: uma mudança absurdamente radical na fórmula de sucesso quase que sem necessidade, mas que mudou tudo. antes de Tony Hawk’s Pro Skater, jogos de skate eram California Games. depois de Tony Hawk’s Pro Skater, eles se tornaram Tony Hawk’s Pro Skater
e meio que era pra ser, né? o joguinho de skate do Tony Hawk é uma das grandes inovações da história da humanidade. é a mistura de um gameplay afiadíssimo, caótico e irreverente com uma trilha sonora skate punk mas também ska punk e sangue quando os skatistas se estilhaçam no chão. Bad Religion cantando You enquanto Bob Burnquist é atropelado por um misterioso e aterrorizante homem dirigindo um carrinho de golfe em uma escola sem nenhum aluno
é incrível como um simples jogo pode até mesmo te fazer repensar espaços públicos — o que é um jeito um pouco mais chique de dizer que, quando criança, eu imaginava todos os lugares que faziam parte da minha vida como sendo parte de uma grande pista de Tony Hawk. a garagem do sítio onde eu morava poderia facilmente abrigar uma quantidade enorme de half pipes, enquanto os fios de energia no topo dos postes no caminho pra casa possuíam ao menos uma fita secreta. as quadras externas da minha escola? dá pra abrir sem problema nenhum um buraco no chão e colocar um bowl
e se eu fizesse alguma manobra específica pulando por cima de umas freiras administradoras do colégio, eu poderia até mesmo desbloquear alguma área secreta. esse certamente era um dos grandes diferenciais dessa franquia pra mim: a quantidade de locais secretos que você poderia desbloquear fazendo coisas absolutamente bestas. faça um grind em cima das hélices do helicóptero parado no meio da fase e ele vai sair voando. isso parece algo que o seu amigo levemente mais chato te contaria no recreio e você acreditaria cegamente até chegar em casa, tentar 30 vezes com todos os personagens diferentes e chegar à conclusão de que ele talvez esteja mentindo. talvez.
a quantidade de áreas misteriosas icônicas nesses primeiros jogos da franquia é inigualável. o parquinho na escola que você só consegue chegar com uma série de pulos altamente precisos? causar um terremoto em Los Angeles e andar pelas pontes destruídas? a casa mal-assombrada em Suburbia que você consegue acesso após dar um machado na mão de um homem louco? eu me sinto maluca só sugerindo que essas coisas possam existir, mas é tudo real. rumores que você leria em um blog com menos de 1000 visitas durante uma tarde de 2002, mas que são fato
e aí que está a beleza de tudo: Tony Hawk’s Pro Skater parece um jogo falso. parece uma paródia de um jogo de esportes radicais criado para estar no fundo de um episódio de Drake & Josh enquanto os dois brigam com a Megan na sala de estar, mas é um game de verdade que você pode jogar. ele é tão insano e quebra tantas regras do que um simulador de skate da metade dos anos 90 deveria ser que ele nem sequer deveria existir. a série de joguinhos do Tony Hawk é um pequeno milagre. Deus estava cansado de curar enfermos e decidir criar o melhor produto de entretenimento de todos os tempos. é como dar alimento aos famintos
então. eu tenho uma pergunta. qual é a melhor música dos Beatles? pra mim é essa.
meu primeiro contato com beatles foi pelo cd cover da rita lee (Aqui, Ali, em Qualquer Lugar) então vou dizer michelle. pq ela me convenceu
pra mim a melhor musica dos beatles é eleanor rigby
1 - Pela beleza do arranjo
2 - Por eu sempre me lembrar de um acontecimento que parece um sonho: quando meu amigo Gustavo gritou ''they came from the internet'' em resposta ao questionamento da cançao sobre de onde sairam tantas pessoas solitárias, num show de sir Paul em pleno ESTÁDIO SERRA DOURADA. (eu e gustavo nos conhecemos numa comunidade sobre o Playstation Portable no orkut, o que torna ainda mais onirico este pequeno momento)