eu destruirei vocês #128: os melhores discos brasileiros (de novo)
dez álbuns musicais brasileiros
música brasileira. de acordo com informações coletadas em sites da internet, aproximadamente um monte de discos já foram lançados no Brasil desde os primórdios do conceito de gravação — talvez seja impossível definir quantos exatamente, mas com certeza já passou da casa das dezenas. só que se você olhar qualquer lista de melhores álbuns brasileiros de todos os tempos, vai achar que só foram lançados uns oito discos diferentes na história desse país
é o tal do cânone, né? a ideia de música brasileira já está enraizada na mente das pessoas. todo mundo já sabe que somos uma nação de samba, que em determinado momento dos anos 60 um pessoal colocou guitarras nesse mesmo samba, que em algum ponto a Ludmilla criou o Numanice e revolucionou o gênero. todo mundo já sabe que Clube da Esquina é incrível, e é exatamente por isso que essas constantes listas são constantemente tão chatas. sim, Acabou Chorare é perfeito, mas isso já é de conhecimento comum. quantas pessoas sabem que Poema da gota serena, de Zé Eduardo Nazario, é magnífico? umas duas, talvez. se tivesse na lista da Rolling Stone, certamente mais pessoas saberiam
em 2022, eu produzi uma autointitulada lista não-chata de melhores álbuns brasileiros — a única da história a contar com a presença do grupo carioca Séculos Apaixonados e não ter nenhum disco do João Gilberto. agora, dois anos depois — e querendo ou não com mais bagagem musical —, trago a vocês não uma atualização, mas sim um top 10 completamente novo. é a nova tradição anual da eu destruirei vocês: os melhores álbuns brasileiros de todos os tempos.
você sabia que existe música brasileira?
Denise Emmer — Canto lunar (1982)
é sempre um bom sinal quando um poeta decide começar a fazer música — Leonard Cohen que o diga. Denise Emmer começou a carreira musical compondo trilhas sonoras de novelas da Globo nos anos 1970, até decidir embarcar em carreira solo no início dos anos 1980 — e eu dou graças a Deus, já que eu com certeza nunca teria conhecido o trabalho dela se sua obra ficasse para sempre confinada a cenas de Paulo Autran em Pai Herói. obrigada por gravar discos. eu te amo
Canto Lunar é um disco quase acústico: é Denise, seu violão e eventuais percussões que você quase não percebe, mas que certamente sente. é algo entre o sertanejo de Almir Sater pré-Almir Sater e uma sensibilidade melódica meio Milton Nascimento. escrito inteiramente pela própria Denise, é um álbum que merece ser mencionado ao lado de Sibylle Baier e Linda Perhacs naquelas listas de clássicos folk de mulheres tristes. fique tranquila, twitteira fã de Sylvia Plath: existe algo meio Vashti Bunyan aqui
filha de Janete Clair e Dias Gomes, Denise Emmer certamente é a maior nepobaby de todos os tempos. em segundo lugar, Maya Rudolph
Lindsheaven Virtual Plaza — Transversal Worldwide Shopping (2013)
2013 talvez tenha sido o último ano em que o gênero vapowave foi inequivocadamente levado a sério. antes de ser cooptado por usuários sem-graça do Tumblr e eventualmente por fascistas, era possível escutar uma obra cheia de samples de comerciais japoneses dos anos 1980 e apreciar como um trabalho autêntico, sincero, genuíno — porque era. Floral Shopee mudou absolutamente tudo na música, na cultura de internet e na minha vida. Transversal Worldwide Shopping, de certo modo, também
Lindsheaven Virtual Plaza era um dos projetos de Cesar Alexandre, músico carioca falecido em 2021 e maior expoente da cena vaporwave brasileira. ele seguia mais a vertente ambient music do gênero, sem aquele estereótipo dos hits de décadas passadas interpolados em beats lo-fi. Transversal Worldwide Shopping parece uma gravação em VHS da trilha sonora de um filme de terror dos anos 1940, um Drácula meio futurista, sons que você escutaria em um shopping center abandonado. visite os backrooms. temos apartamentos a partir de R$1200 ao mês
imagine uma outra vida. agora aperte play
Solange Borges — Bom dia universo (1984)
irmã de Lô Borges e não irmã de Beyoncé Knowles, Solange Borges lançou exatamente apenas um disco durante toda a sua carreira, mas meio que não precisava de nenhum outro. Bom Dia Universo é algo tão Minas Gerais que apenas um habitante de Minas Gerais poderia produzir — e pela vivência dessa pessoa estar centrada exatamente nas Minas Gerais, ela nem percebe o quão Minas Gerais é tudo isso. como eu estava dizendo, Minas Gerais
contando ao todo com composições de quatro irmãos Borges — nenhum deles chamado Lô —, Bom Dia Universo é praticamente um compilado das melodias mais lindas que você vai ouvir na vida. Beatles se eles fossem uma família. violões, guitarras, pianos que Samuel Rosa certamente escutou em algum ponto da vida — e se não escutou, bom, com certeza escutou sim.
ah, e ela canta na música Clube Da Esquina Nº 2 também. a versão solo do Lô Borges. sinto que é uma informação importante
Stela Campos - Fim de semana (2002)
o que, afinal, é uma Stela Campos? jornalista, ex-radialista, integrante do movimento manguebeat, tecladista da banda Fellini-adjacente Funziona Senza Vapore, pessoa normal. Fim de Semana, segundo disco de sua carreira solo, é quase indescritível: de certo modo inexplicável. ao mesmo tempo em que é pop, ele é o contrário de tudo
produção de trip hop, lembrando as melhores do Massive Attack, junto com guitarras meio Sonic Youth e melodias um pouco Arrigo Barnabé. uma Björk da vanguarda paulista. Te Pego na Estação é como se fosse um Pato Fu com mais latas sendo tocadas como baterias. Despertador é Portishead se eles cantassem sobre odiar a sua rotina. TV é Arnaldo Baptista com samples de programas estadunidenses. Fim de Semana vai para todos os lugares, e você vai para todos os lugares no fim de semana.
se vocês deixarem, eu posso ficar horas mencionando outros artistas aqui. quer ver? Stevie Wonder.
Zé Eduardo Nazario — Poema da gota serena (1982)
ah, finalmente. se existe no mundo — ou no Brasil — um álbum com um título mais condizente com a música, não existe não. sabe aquele vídeo do Hermeto Pascoal com seus amigos tocando instrumentos inusitados dentro de um lago? Poema da gota serena é isso, mas conceitualmente. é possível que esse álbum não tenha sido feito por humanos, mas sim por seres místicos vivendo em um rio, córrego ou lagoa. percussão irregular, xilofone, saxofone, outros tipos de fone, aparentemente Zé Eduardo Nazario toca algo chamado flauta da Tailândia nesse disco? isso foi produzido por fadas do campo
se você gosta ou já ouviu falar de Plantasia, esse disco é para você. considerando que é impossível alguém ouvir falar de Plantasia e não gostar de Plantasia. Poema da gota serena é o irmão gêmeo do mal que mora no sótão da casa da família e é alimentado semanalmente com um balde de cabeças de peixe. Mort Garson não possuía toda a vivência brasileira para produzir algo tão caótico assim. mas Zé Eduardo Nazario possuía
Arnaldo Baptista — Disco Voador (1987)
eu não sei como o Arnaldo Baptista estava em 1987, mas eu imagino que “bem” talvez não seja a resposta. desde sempre sofrendo com problemas psicológicos e praticamente aposentado da carreira musical, ele gravou em uma fita cassete várias composições novas e sombrias sobre assuntos que o interessavam — principalmente discos voadores. Disco Voador é o mais próximo que a música brasileira já chegou de ter seu próprio Daniel Johnston, e ele veio do lugar menos esperado: d’Os Mutantes
é tudo muito simples em Disco Voador, desde as letras até os arranjos. o álbum praticamente consiste na voz do Arnaldo Baptista e seu sintetizador, com uma bateria claramente eletrônica no fundo de algumas canções. Maria Lucia é uma canção de amor e nada mais, Crazy One's Ballad é uma versão em inglês de Balada do Louco, Le Foulle Ballad é uma versão em francês de Balada do Louco e em Traduções, Arnaldo avisa ao final da música que “não é muito bom com letras”.
Eu talvez seja a canção mais composta do álbum, e mesmo assim as letras não fazem sentido algum. pra mim, isso é um ponto positivo
Nilze Carvalho — Choro de menina (1980)
um dos grandes discos de samba da história do Brasil. performances sublimes, um grupo afinadíssimo e em sintonia, belíssimo repertório escolhido a dedo pela artista — ah. é. Nilze Carvalho tinha doze anos de idade quando isso foi gravado.
a primeira vez que eu escutei Choro de menina, eu não sabia disso. ouvi um upload qualquer de alguém misterioso no YouTube enquanto a aba estava em segundo plano e não prestei muita atenção na capa, que claramente mostrava uma criança de 12 anos. e o mais impressionante é isso: mesmo sem saber desse detalhe importantíssimo, eu achei o disco sensacional. as performances nisso aqui são sublimes, de um jeito que nenhuma outra criança-artista já chegou perto — exceto talvez o guri que interpretava o Otávio em Da Cor do Pecado
e caso você goste desse disco, tenho ótimas notícias: ela gravou até o Choro de menina vol. 4. depois ela cresceu e parou de chorar
Denise Assunção — A maior bandeira brasileira (1989)
uma vanguarda pra lá de paulista. irmã de Itamar, tia de Anelis e Serena, Denise Assunção teve uma carreira musical curtinha — este foi o único disco dela e suas outras contribuições com o cânone musical foram algumas pequenas participações em discos do seu irmão e de Ney Matogrosso. mas sinceramente, nem precisava de mais muita coisa. ela já fez o seu trabalho aqui
A maior bandeira brasileira talvez seja uma das obras mais acessíveis da onda vanguarda paulista — o jazz caótico fica mais em segundo plano por aqui, porque dessa vez temos melodias. praticamente o disco todo foi composto pelo Itamar, e me assusta esse álbum não ser tão conhecido entre o público geral porque é basicamente um disco novo do Itamar nos anos 1980. temos até uma música co-escrita pelo Paulo Leminski aqui. muito melhor que o feature dele no álbum novo do Jovem Dionísio
que Deus abençoe sempre a Baratos Afins
Leno — Vida e obra de Johnny McCartney (1971)
por favor, acalme-se. esse aqui não é o John Lennon. por muito tempo, Leno fez sucesso na terrível e desprezível jovem guarda como parte de uma dupla com a igualmente cantora Lilian — eles eram, caso não tenha percebido ainda, Leno e Lilian. Vida e obra de Johnny McCartney, na verdade, não é um álbum de 1971: ele foi lançado oficialmente apenas em 1995, já que estava rolando algum tipo de ditadura no Brasil naquela época que impediu o lançamento de certas obras artísticas. procure saber mais em sua biblioteca local
e apesar de ser um disco de um cara qualquer que ninguém conhece, a lista de pessoas que trabalhou nisso aqui é inacreditável. um Raul Seixas um pouquinho antes da fama escrevendo metade das músicas e simplesmente o grupo uruguaio Los Shakers atuando como banda de apoio — e quando não eram eles, eram Renato e Seus Blue Caps. isso é incrível. eu já ouvi falar esse nome. Marcos Valle tocou piano elétrico em Pobre do Rei? o Trio Ternura está aqui? isso é um dream team, meu Deus do céu
e eu também descobri na Wikipédia que esse foi o primeiro disco brasileiro a ser gravado em 8 canais. caso alguém se interesse
MC Tha — Rito de passá (2019)
triste é o mundo em que vivemos. cinco anos sem um disco novo de MC Tha. chamar Rito de Passá apenas de inovador é um completo desserviço pra essa obra que mesclou beats de funk, pontos de umbanda e um pop quase Lorde — mas não chegue perto dela, Jack Antonoff. Rito de Passá é inovador e ótimo. tem coisa que é inovadora mas é ruim. privatizar praias, por exemplo, é extremamente inovador
Oceano é uma das grandes canções brasileiras da década de 2010, essa época que todos nós vivemos mas que já está firmemente no passado. uma era de Johnny Hooker no programa da Fernanda Lima, Francisco el Hombre cantando Roda Viva, Marina Sena ainda no Rosa Neon. sinto como se toda essa cultura se unisse para tornar Rito de Passá ainda mais especial. afro-sambas para um novo milênio, e Melodrama para um novo país
e você, já escutou alguma música na sua vida? deixa aí nos comentários!
não mas com rito de passá vc realmente foi LUZ
eu botei o primeiro álbum pra tocar mas estou completamente transtornada com a novidade, chegada com 40 anos de atraso, de que janete clair e dias gomes foram um casal.
agora é passar uma semana pensando "imagina se glória peres e manoel carlos tivessem casado", que saco.