talvez seja apenas uma sensação causada por esse universo pop cada vez mais acelerado, mas parecia que o mundo do entretenimento estava meio cansado das loiras nos últimos tempos. nos anos 1990, é como se não existisse uma única mulher na televisão sem essa coloração de cabelo inventada pela atriz Xuxa Meneghel: você ligava na Record e tinha uma Eliana apresentando um programa infantil juntamente com a Alegria, Pamela Anderson correndo diariamente por praias estadunidenses não especificadas e a mão invisível do show business até mesmo decidiu que era necessário existir uma versão loira da Tiazinha — conjurando assim uma Feiticeira para o horário nobre do brasileiro.
era o clássico estereótipo da loira gostosa — e adicionando uma pitada de burrice à essa grande mistura misógina, ela se tornava o objeto sexual perfeito para homens calvos de 43 anos. eu sei como é, eu estava loira até esses tempos. é só descolorir o cabelo que todo mundo imediatamente supõe que você é uma pessoa muito menos inteligente do que realmente é. mas hoje, dia 28 de agosto de 2024, eu trago notícias. eles criaram uma nova mulher loira. conheça Sabrina Carpenter
não que todas as pessoas realmente estejam conhecendo Sabrina Carpenter agora. seu último álbum, emails i can't send, chegou a ter um leve hype em 2022 entre fãs de música pop que gostam muito de Ariana Grande e assistiam Glee religiosamente no ensino médio — 21:30h, logo depois de Os Simpsons, só na Fox. emails i can't send não foi um disco ruim: apenas genérico. até porque é difícil ser completamente incompetente tentando escrever um disco meio cópia da Lorde, considerando que ela tem um estilo tão único ainda hoje no universo da música que nem mesmo um disco ruim da própria Lorde é, de fato, ruim. talvez a característica mais importante de emails i can’t send é que metade das canções tem o título em letra minúscula e a outra metade tem o título em letra maiúscula. às vezes existem dois lobos dentro de você: um quer ser a Clairo, e o outro quer ser a Dua Lipa
em 2022, Sabrina Carpenter meio que ocupava o exato espaço que Gracie Abrams ocupa hoje — um grande “talvez um dia essa garota fará algo interessante musicalmente, e se isso acontecer, estaremos aqui prontos para virar nossas cabeças e dar uma chance”. em 2023, pelo que eu me lembre, Sabrina abriu os shows da Taylor Swift na América do Sul — sendo sumariamente ignorada por uma parte dos fãs e tendo a cabeça acariciada como se fosse uma criança que acaba de desenhar um boneco-palito muito bonito por outro parte do público. ao menos, agora, ela era mais conhecida. em 2024, ela lançou Espresso.
Espresso é um hit. não é o hit do momento, não é o hit de qualquer outro momento, mas de algum modo este pequeno pedaço de soul-sem-alma acabou cativando um enorme público desde que foi lançada quatro meses atrás — se o YouTube for uma fonte temporal confiável. com uma instrumental que lembra os future funk de SoundCloud menos interessantes do ano de 2014, Espresso é a companhia perfeita para aqueles dias em que tudo que você mais precisa são algumas lo-fi beats to relax/study to — o que é um modo diferente de falar que é uma música que entra por um ouvido e sai pelo outro
Espresso é incrivelmente desinteressante. em minha visão, um hit completamente inexplicável: não tem nada aqui que garanta uma posição vitalícia no smart shuffle do Spotify e nem um acorde sequer que explique porque o meu aplicativo de música verde favorito colocou isso pra tocar depois de Someday I Will Treat You Good, do Sparklehorse. eu sei que já virou modinha falar que qualquer coisa genérica é meio inteligência artificial, mas se eu pedisse 50 sugestões de letras de música pop para o ChatGPT, switch it up like Nintendo estaria entre elas. e não seria uma das primeiras. Espresso é um refrão imemorável, uma performance levemente irritante e um clipe igual a todos os outros da cantora.
é essa fórmula dos clipes da Sabrina que pode ser descrita como chatinha. no caso de Espresso, a estética filme de praia dos anos 1960 — uma Annette Funicello para um novo século. todos os homens nos clipes da Sabrina Carpenter são obcecados por ela; Sabrina Carpenter é gostosa, Sabrina Carpenter é linda, Sabrina Carpenter é sedutora — tudo nesse estilo meio engraçadinho e bobinho constantemente piscando para o público. os homens acham que ela é burra, mas na verdade ela é uma girlboss. ela não é inocente. ela quer matar o namorado e pegar o seu cartão de crédito
sinceramente, na minha visão, parodiar os clichês da música pop não funciona tão bem quando você é uma artista pop. é mais complicado fazer algo de fato efetivo quando você se beneficia de todos os sistemas que está criticando. existe uma diferença entre satirizar e reforçar comportamentos, e ela é tênue, e por isso uma das práticas mais recorrentes no mundo da arte é fazer uma dessas coisas enquanto acredita que está fazendo a outra
não sei. quanto mais eu penso nisso tudo, mais eu acredito que talvez Sabrina Carpenter não passe de uma Meghan Trainor da geração Z. claro, talvez existam algumas diferenças fundamentais entre uma Dear Future Husband e uma Taste — mas no final, sinceramente, tudo chega no mesmo lugar. em Dear Future Husband, a cantora de blush Meghan Trainor passa cerca de dois terços do clipe literalmente deitada no chão de uma cozinha limpando-o enquanto canta sobre querer um marido perfeito
Dear Future Husband foi completamente escrutinada em seu lançamento por, bem, parecer algo escrito nos anos 1950 — e é mesmo uma letra inacreditável se você pega um tempinho do seu dia para analisá-la. mas em todo esse movimento, ela consegue funcionar muito bem para qualquer lado que você quiser: se tivesse surgido exatamente como é em um episódio de Crazy Ex-Girlfriend, todo mundo entenderia que isso é uma paródia e que a republicana Meghan Trainor estava apenas encarnando um personagem. talvez o problema seja que ninguém espera qualquer nuance vinda de quem canta All About That Bass. sabe quem mais sofreu muito com isso nos últimos tempos? uma pequena artista independente de Santa Barbara, California chamada Katy Perry
Short ‘n' Sweet, o novo disco de Sabrina Carpenter, lançado no dia 23 de agosto de 2024, é uma obra extremamente heterossexual. Short ‘n' Sweet contém Espresso e outras onze canções. Short ‘n' Sweet tem esse nome porque encapsula tudo sobre a estética de Sabrina Carpenter: ela é uma mulher bonita ideal e tem 1,52m de altura. a Marina Sena da Pensilvânia. pensando agora, talvez tenha sido culpa minha em acreditar que esse disco poderia ser interessante. uma obra de arte que se autointitula doce não pode ser ter qualquer mérito artístico
é… é um disco muito curioso. é quase incoerente. canções levemente country pop nível início-de-carreira-de-Taylor-Swift e logo depois uma instrumental de trap — tudo acontece, nada acontece. é quase um joguinho: a cada faixa você está tentando descobrir qual artista ela estava tentando emular aqui. essa tem um pouquinho de Lady Gaga das antigas, né? você aperta o botão em sua frente antes da outra equipe e responde. uma terrível sirene toca. “errou”, diz a apresentadora. “essa aqui foi inspirada nos primeiros singles da Sky Ferreira.'“ menos -300 pontos para o seu time e uma torta na cara
Taste é uma peça interessante de rock alternativo dos anos 1990 — ou uma peça interessante de cópia de Olivia Rodrigo —, enquanto a batida no refrão de Sharpest Tool meio que é ótima. Dumb & Poetic é a balada lenta obrigatória para todo disco pop, exceto que aqui ela tem uma produção que parece ter saído do último disco das Boygenius. eu não tenho tanta coisa legal para falar sobre o resto; Slim Pickins quer ser Dolly Parton na ironia e no fingerpicking mas não será, Lie to Girls é um filler enorme e Don’t Smile é a última faixa unicamente porque Sabrina canta don’t smile because it happened, cry because it’s over. subversivo. é a quebra de expectativas. é a música pop achando que te engana
talvez o maior problema é o quão distante a realidade de Short ‘n' Sweet é da minha vida. não que uma obra de arte precise ser identificável & relatable para ser apreciada — e inclusive isso é uma das maiores mentiras que os jovens tentam te contar — mas é impossível, tendo a minha vivência e sendo quem eu sou, conseguir levar a sério qualquer questionamento, qualquer dúvida, qualquer problema relacionado a relacionamentos heterossexuais. olha, eu sou uma mulher transgênero bissexual. eu namoro uma mulher cisgênero. metade das minhas amigas travestis não param de falar sobre serem puxadas pela coleira por uma mulher bonita. é como se eu estivesse impossibilitada de conceptualizar, de tentar compreender como funciona a mente de uma mulher heterossexual que se relaciona com um homem heterossexual. don’t bring me to tears when i just did my makeup so nice
talvez a parte mais interessante de Sabrina Carpenter é o fato dela ser desinteressante.
e essa é a melhor música da história da Nickelodeon.
se a sabrina é tão heterossexual, como explicar o relacionamento dela com o barry keoghan, um homem sapatão? essa é pra pensar
uma coisa que eu gosto na sabrina é que ela me faz imaginar como seria minha vida se eu fosse loira, tivesse sido da turma do fundão e não precisasse de psicotrópicos