quando somos crianças, a coisa mais comum do mundo é descobrir coisas em lugares não-convencionais — e eu não estou falando de encontrar aquele seu cartucho perdido de Golden Sun para o GBA no chão de um galpão que você havia visitado apenas duas vezes na vida. é sobre arte. é sobre estar assistindo o Cartoon Network em uma tarde de terça-feira que você não foi para a aula e se deparar com o videoclipe de Daft Punk Is Playing at My House, do LCD Soundsystem, no intervalo de Mucha Lucha, e você sabe o que é Mucha Lucha, mas meu Deus… o que é LCD Soundsystem? eu preciso procurar sobre isso no Google. eu preciso saber mais. nossa, esse homem menciona várias coisas interessantes nessa música chamada Losing my Edge. talvez eu precise pesquisar ainda mais
como já previamente estabelecido em edições passadas da eu destruirei vocês, uma grande fonte de conhecimento para uma jovem isabela thomé-que-ainda-não-sabia-que-era-uma-isabela-thomé era a revista Mundo Estranho e suas diversas ramificações. meio que era o lugar perfeito para uma criança de nove anos de idade aprender sobre o conceito de serial killers e, além disso, ter acesso fácil a uma lista bem-diagramada dos assassinos em série mais violentos da história. eu lembro especificamente de uma pequena coleção de livretos denominada 100 Respostas, que trazia 100 perguntas e respostas sobre assuntos como Grécia Antiga, super-heróis, Hanna-Barbera e, acima de tudo, rock. caramba. o rock existe
nessa época, eu meio que já sabia o básico. eu sabia que Beatles foram uma banda que existiu, e que o Paul McCartney estava vivo e o John Lennon morto — talvez eu não soubesse ainda que existiam outros dois membros do grupo, mas era questão de tempo até essa informação chegar ao meu cérebro. acho que nessa idade, é sempre bom conhecer nomes novos. eu tenho certeza que nunca tinha ouvido falar de Pearl Jam antes desse livrinho, assim como o conceito de power pop e a diferença entre rock e rock n’ roll, mas principalmente, antes de ler essa edição especial da Mundo Estranho, eu nunca havia escutado o nome Beach Boys. mas agora eu sabia o que era
é o segundo lugar na lista da Rolling Stone de melhores discos da história. não que isso seja de fato importante, claro: a opinião da Rolling Stone quase nunca importa, mas quando importa, é a coisa que mais importa. eu absolutamente não teria escutado Pet Sounds tão cedo se não fosse uma posição arbitrária em uma lista produzida e preparada para tentar ofender o mínimo de fãs de rock possível. talvez segundo um motoqueiro de Harley Davidson frequentador do Maverick o quarto álbum do Led Zeppelin deveria estar acima dos Beach Boys, mas eu não quero saber o que ele pensa disso tudo. homens brancos e heterossexuais tiveram suas vozes ouvidas por séculos e a única coisa boa que isso nos trouxe foi, enfim, Pet Sounds
escrito por Brian Wilson e Tony Asher em um período de três semanas entre janeiro e fevereiro de 1966, Pet Sounds é uma das coisas mais importantes da minha vida. uma das poucas obras de arte que eu adorava & idolatrava aos doze anos de idade e ainda hoje, dezesseis anos depois, consegue me fazer sentir algo toda vez que escuto. um disco que sempre esteve comigo. lembranças de escutar I’m Waiting for the Day no intervalo da escola em um ensino médio triste e deprimente, de Let’s Go Away For Awhile no ônibus voltando de Porto Alegre após momentos que mudariam minha vida, de You Still Believe In Me na frente do computador — e realmente, minha adolescência pode ser resumida em anos e anos escutando Pet Sounds na frente do computador.
agora, uma pequena pausa para te fazer uma pergunta: você conhece a Filmicca?
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minha recomendação essa semana é O Segundo Rosto, filme de 1966 — mesmo ano de lançamento de Pet Sounds. estrelando Rock Hudson, é a história de um banqueiro que contrata uma empresa especializada em renascimentos para criar um novo rosto para si — e consequentemente, uma nova vida. Brian Wilson assistiu esse filme na época e ficou convencido que era um filme sobre ele e suas experiências traumáticas, e não era, mas quando você está fragilizado mentalmente, qualquer coisa pode se tornar um sinal de algo maior. O Segundo Rosto é incrível. assista já na Filmicca!
é muito fácil para um garoto nerd neurodivergente e franjudinho de quinze anos de idade se identificar com o Brian Wilson. na sua frente está um homem frágil semi-nerd franjudinho cheio de distúrbios psíquicos que o impediram de atingir seu verdadeiro potencial mas que, aos vinte e três anos de idade, criou algo sublime. talvez o sonho de todo menino jogado para escanteio, ignorado pelos colegas e amigo de meninas seja só fazer algo que as pessoas gostem muito. compensar a falta de atenção nos anos mais importantes da formação como ser humano se tornando um ser humano que as pessoas serão obrigadas a prestar atenção. o único problema é que essa pessoa talvez comece a sentir uma culpa muito estranha por ter outras pessoas prestando atenção nela, mas tudo bem. ainda é melhor do que a outra opção para esse tipo de jovem: entrar no /pol/ um dia qualquer e virar muito, muito fascista
o Brian Wilson é a Sylvia Plath dos meninos. romantizei sua vida mesmo que isso não fizesse tanto sentido assim. tenho certeza que ao invés de ser uma inspiração para jovens estranhos, Brian Wilson teria preferido muito mais simplesmente ter tido uma vida normal. tudo bem ter um Pet Sounds no currículo, mas tudo bem ter dias tranquilos e fins de tarde em varandas e noites bem dormidas. não tem problema nenhum isso. Pet Sounds é pra quem teve um dia difícil, mas se Deus quiser, a noite não vai ser complicada
a beleza de Pet Sounds vem também da sua ambiguidade. é um disco sobre amor do modo mais melancólico possível. eu te amo tanto que eu preciso me casar com você, mas não dá agora. somos jovens demais. o que eu mais quero é acordar do seu lado e passar o dia com você, e eu queria que os nossos beijos nunca terminassem. ia ser muito legal, mas ainda não chegou a hora. ainda não é o que temos. tudo bem, não precisa falar nada. coloca a cabeça no meu ombro
Pet Sounds quase nunca é feliz. é sentir algo sabendo que aquilo não é pra sempre, seja para o bem ou para o mal. I’m Waiting for the Day? quem sabe um dia a gente não se ame? eu te fiz tanta coisa e você ainda acredita em mim, mas até quando? love is here today and it’s gone tomorrow. tudo é passageiro, tudo é efêmero, tudo é uma transição e tudo vai mudar. buzinas de bicicleta e apitos de trem anunciando que algo novo pede passagem. talvez você queira descobrir o que é o novo, ou talvez não, ou talvez você nem saiba a resposta certa direito
a sensação de não fazer parte do seu tempo, em sentidos mais bobos e mais profundos. they say i got brains but they ain’t doing me no good é o retrato perfeito do gênio torturado, um estereótipo amado há séculos por jovens ao redor do mundo, um poema de Sylvia Plath e uma canção de Brian Wilson. se eu sou tão bom no que eu faço, porque eu me odeio tanto? se eu realmente tenho algum valor, por que eu não sinto isso? vozes baixas demais no mix do segundo refrão dizendo que as pessoas não parecem estar onde eu estou, como se fosse o próprio cérebro tentando te sabotar enquanto assiste televisão. é, eu acho que sim
meio que Pet Sounds é tudo. eu tenho um certo rancor com o conceito de perfeição, então não tenho problemas em afirmar que Pet Sounds pode não ser perfeito. talvez alguns acordes estejam dissonantes, talvez uma palavra poderia ter sido trocada por outra, talvez o baterista devesse ter cantado essa aí. mas eu não quero mudar nada em Pet Sounds. nem mesmo Sloop John B. se está lá, é porque era pra estar lá
e The Beach Boys Love You é o outro Pet Sounds.
queremos uma edição sobre the beach boys love you!!!!!
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