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eu destruirei vocês #67: beber água e respirar
campeonato de skate em Criciúma, o jogo de corrida mais lindo do mundo e um escudo amaldiçoado
Criciúma, se você parar pra pensar, é a capital de várias coisas: do carvão, da cerâmica, do rebaixamento à segunda divisão do campeonato catarinense — elementos que fizeram e fazem parte da vida de todo habitante da cidade. e ultimamente, meio que do nada, Criciúma também está se tornando um município em que existe skate — porque chamar isso de capital do skate seria de uma prepotência inacreditável
depois da última grande reforma no Parque Altair Guidi, que trouxe com ela
uma pista de skate profissional, Criciúma passou a receber todo ano etapas do STU, o Circuito Brasileiro de Skate. todo começo de ano, competem na cidade alguns dos maiores nomes do esporte no país — quer dizer, pelo menos é isso que eles dizem e eu acredito. eu já ouvi falar da Pâmela Rosa e a Rayssa Leal esteve aqui ano passado, então deve ser isso mesmo, mas eu nunca ouvi falar em nenhum dos oito classificados pra final da categoria Street masculino — e tá tudo bem. eu só assisto skate quando coloco um clipe antigo do Charlie Brown Jr. na minha televisão
eu e Bruna fomos neste último domingo assistir a grande final da categoria Street diretamente da chiquérrima estrutura montada na pista de skate do Parque Altair Guidi — quando um evento tem até transmissão da TV Globo, é bom que pelo menos o chão esteja limpo, não tenha muito rato correndo pelo recinto, esse tipo de coisa. por não termos tanto interesse e conhecimento sobre o esporte skate, poderíamos ter ficado assistindo o campeonato em casa, mas quero ver você achar outra coisa pra fazer em um domingo de manhã nessa cidade. nem o shopping tá aberto, sabe. nem o shopping
eu adoro ir em eventos assim porque o estereótipo que as pessoas têm da galera do skate é extremamente real — tipo, todo mundo usa Vans com meia xadrez e não parava de tocar músicas da trilha sonora de Tony Hawk no evento, sabe? eu ouvi três músicas diferentes do Rage Against the Machine no período de uma hora e meia, e tenho certeza que eles não quiseram colocar mais canções do grupo porque acharam que ia saturar. mas o que eles mais queriam era um Ragezinho, não adianta. eu sei. eu sei
e um evento desse porte é sempre hilário por causa dos stands em volta de toda a ação — sei lá, eu acho a ultra-comercialização de absolutamente tudo algo tão brega que é impossível não rir. é horrível? claro que é, mas por que tem um stand dos Shoppings Almeida Júnior em um campeonato de skate? resposta: porque eles pagaram muito caro pra isso. eles querem tanto que você baixe o aplicativo do shopping que eles vão te dar adesivos só pelo trabalho de escanear um QR code
pelo menos um stand da Monster faz muito mais sentido para o público-alvo — eu nunca tinha visto tanta e-girl reunida no mesmo lugar, nem em curso de Artes Visuais o negócio chegou nesse nível ainda. lá você podia postar uma foto marcando a Monster nas redes sociais para ganhar um belíssimo adesivo, num dos maiores exemplos de humilhação pública já imaginados por um ser humano
entrando no modo Globo Esporte agora, o campeão do masculino foi o Ismael Henrique e a do feminino foi a Pâmela Rosa — a primeira campeã mundial a pisar em Criciúma desde o amistoso entre o Milan e o Internacional de São Defende no Estádio Antônio Peruchi em 2008. minha torcida é que a cidade de Criciúma continue tendo eventos completamente aleatórios no futuro — e sinto que isso vai acontecer mesmo, porque o parque municipal que estão construindo na Santa Luzia vai ter um circuito profissional de parkour. não-ironicamente acho isso foda e tenho certeza que todo dia teremos notícias de algum adolescente quebrando todos os ossos do corpo lá
e agora, uma mini-análise do novíssimo Monster Ultra Watermelon sem açúcar, disponível à venda na etapa Criciúma do STU National 2023: é ruim, não tem açúcar
o game mais lindo do mundo
o jogo OutRun 2006: Coast 2 Coast
favor ler esta seção enquanto escuta essa música
pode ficar com seus Undertale, Gone Home e To the Moon: pra mim, não existe jogo mais lindo do que OutRun 2006: Coast 2 Coast. a beleza em um jogo de corrida, porém, não é exatamente parecida com a beleza em um RPG onde os personagens superam desafios com o poder da amizade ou coisas do tipo: a beleza em um jogo de corrida é mais sutil. você vai chorar jogando OutRun 2006: Coast 2 Coast porque a vida é bela e você está vivo mais um dia e você pode beber água e respirar e sentir emoções e meu Deus do céu essa fase é tão linda eu vou chorar
OutRun 2006: Coast 2 Coast, lançado em 2006 para PlayStation 2, Xbox, PSP e PC, é uma versão atualizada do jogo OutRun 2, lançado três anos antes exclusivamente em máquinas de fliperama, e uma viagem aos meus sonhos. quando eu lembro dos verões que eu passava na praia do Rincão na infância, as minhas memórias tem a imagem tão saturada quanto as fases desse jogo — é tudo muito vivo, vivíssimo, extremamente vivo
tem algo nesses cenários que me captura completamente. é 2004, é Felipe Dylon, é núcleo da Mamuska em Da Cor do Pecado, é um Luau MTV com O Rappa. são os modelos 3D mais magníficos já criados por um ser humano, e nenhuma engine nova que prometa ray-tracing ou qualquer outra maravilha moderna do desenvolvimento de games atual vai conseguir chegar nesse nível de beleza. hoje em dia, ninguém entende como fazer um jogo bonito. eu não quero uma iluminação realista, eu só quero sentir que o mundo é um lugar melhor do que ele realmente é
essas fases em sua grande maioria não se passam necessariamente em lugares específicos, mas sim em conceitos — lugares que poderiam ser reais, com elementos de lugares reais, mas que são inventados e só existem no mundo das ideias. Milky Way, por exemplo, é uma fase que se passa em uma versão idealizada do Cabo Canaveral, com um céu estreladíssimo — como se só pela proximidade com um foguete espacial aparecessem mais estrelas no céu. e eu acho essa lógica que permeia o design dessas fases um negócio esplendoroso
eu sou da opinião de que quanto mais realista é um jogo de corrida pior ele é — e por isso Mario Kart é uma das melhores franquias de todos os tempos e OutRun 2006: Coast 2 Coast é tão incrível. realismo não tem vez em jogos de corrida porque dirigir um carro na vida real é extremamente chato e também é algo que eu posso fazer no dia-a-dia se tiver uma CNH — ou se não me pegarem. na vida real eu não posso correr 300km/h com a minha namorada do lado por várias localidades levemente inspiradas em estradas da Europa enquanto faço drift
OutRun 2006: Coast 2 Coast é a sensação de liberdade, é um conversível vermelho passeando pelos morros da Califórnia, é um episódio de Miami Vice, é um carro batendo violentamente numa parede e voando pra cima sem sofrer qualquer dano estrutural. OutRun 2006: Coast 2 Coast é a vida como ela deve ser
divagações criciumenses
a logomarca de Criciúma e o escudo do Criciúma
uma das grandes obras de arte que eu vi até agora esse ano foi, pasmem, nada mais nada menos que um TikTok. apareceu na minha timeline esses dias um vídeo em que uma pessoa, curiosa com a quantidade de siglas diferentes nos bueiros da cidade do Rio de Janeiro, foi atrás de descobrir o que cada uma delas significava — porque existe uma diferença entre o Departamento de Água e Esgoto, existente entre 1947 a 1957, e o Departamento de Esgoto Sanitário, que cuidou do saneamento básico da cidade entre 1957 e 1972
basicamente, o cara foi lá e pensou sobre um espaço público — coisa que praticamente ninguém faz hoje em dia. você pode estar caminhando por um parque ou uma praça de sua cidade, ver um busto de bronze de algum velho parecido com a imagem que você tem na cabeça do Getúlio Vargas e não parar pra pensar quem pode ser aquela pessoa nem o que ela fez. é claro que deve ter um bom motivo pra essa estátua estar aí — mas qual é eu não faço a mínima ideia
e isso me fez pensar, como muita coisa também faz, na cidade de Criciúma. quando eu era criança, o chão do centro da cidade e alguns outros pontos específicos eram lotados de escudos do Criciúma feitos de petit-pave — uma técnica portuguesa que usa pedrinhas brancas e pretas pra formar mosaicos e também é usada em locais com menos apelo turístico, como o calçadão de Copacabana. esses desenhos foram lentamente sendo removidos ao longo dos anos por consecutivas administrações sem coração, até hoje sobrarem pouquíssimos pela cidade — todos muito mal conservados
mas algo que eu demorei talvez tempo demais pra me perguntar foi por que tem tanto escudo do Criciúma pelos pisos da cidade. algum prefeito era muito torcedor do time e decidiu colocar aí? hm, acho que não. ok, hora de um breve resumo superficial sobre a história da identidade visual de Criciúma
em 1977, o arquiteto Altair Guidi assumiu a prefeitura de Criciúma e chamou um amigo seu da época de UFPR, Manoel Coelho, pra capitanear um projeto de renovação urbana da cidade — porque quem tem amigos tem tudo. esse projeto incluiu o Paço Municipal, o Teatro Elias Angeloni, o Centro Esportivo, o Parque Centenário e o Monumento Centenário — basicamente, pra quem conhece Criciúma, esse homem planejou todo espaço público em volta da prefeitura, incluindo ela. pra mim é uma tragédia pensar que a minha cidade já foi desse jeito e agora só tem farmácia
e o que Manoel Coelho, que faz tudo, também fez? a identidade visual da cidade. a logomarca icônica de Criciúma, tão icônica que depois virou o escudo do Criciúma Esporte Clube, foi utilizada na gestão Altair Guidi e se tornou praticamente o símbolo da cidade — apesar de a versão original não ser a mesma que é usada hoje pelo time. na época, o hoje-escudo não era amarelo, mas sim verde, vermelho e preto — um amaldiçoado escudo do Criciúma com as cores do Esporte Clube Próspera, como se isso não fosse passível de punição em certas regiões da cidade
uma questão que eu ainda não consegui decifrar em minhas pesquisas, porém, é quem decidiu escolher essa logomarca como escudo do Criciúma em 1984, data em que as cores do time passaram do azul e branco pro amarelo, preto e branco. pode ter sido o presidente na época, Antenor Angeloni, ou pode ter sido um cara chamado Douglas Piccolo — pouca relação com o homem verde de Dragon Ball Z
o Piccolo é um arquiteto de São Bernardo do Campo que projetou grande parte dos supermercados Angeloni do estado de Santa Catarina — e também desenhou o primeiro uniforme do Criciúma, em 1984. porque eu acho que pode ter sido ele? dois motivos: um esboço em seu site oficial que mostra os primeiros desenhos da camisa juntamente com um escudo claramente amarelo, e o fato de grande parte do trabalho dele ter um estilo parecidíssimo com o do escudo do tigre — ele é o mestre das formas geométricas assimétricas
mas isso é tudo especulação, isso não é uma pesquisa acadêmica e eu sou apenas uma garota que tem uma newsletter. uma menina risonha que ri e que sonha
consideração final
hoje eu só quero compartilhar essas fotos porque eu adorei elas. beijos!
eu destruirei vocês #67: beber água e respirar
Essa edição me fez beber água
Ótimas fotos. Ótima a história de Criciúma. Viva a vida!