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meu Deus do céu, Miguelito. a elusiva e misteriosa série infantil produzida pela RedeTV! e que durou cinco dias na programação no longínquo mês/ano de julho de 2000 finalmente foi, para delírio de todos os malucos por televisão e fanáticos por lost media, encontrada. é isso mesmo: depois de anos de buscas e informações desencontradas sobre o paradeiro do jovem Miguelito, agora o público tem acesso a seis episódios dessa série — o que já é mais do que passou na RedeTV! aquele ano
mas antes, um pouco de contexto: eu ouvi falar de Miguelito pela primeira vez em 2020, nas épocas pandêmicas, em algum dia que eu estava pesquisando muito sobre a programação da RedeTV! no começo dos anos 2000 — aquela era em que Galera na TV, a sitcom infantil da Andréa Sorvetão, reinava suprema. até literalmente quinta-feira, a única prova concreta e audiovisual de que Miguelito realmente existia era uma chamada do programa postada em 2011 no YouTube, que apresentava alguns dos personagens para o público
é verdade: essa turminha vai bagunçar as suas tardes. afinal, o Miguelito chegou para aprontar. e junto com o Miguelito, vêm aí o desastrado Marquinho, a debochada Lilica e o comilão Bolão — essa patota, se você ver bem, é do barulho. leitores mais atentos podem ter assistido esta chamada e pensado “puta que pariu, isso é literalmente Chaves” e é verdade, mas não tem nada que você possa fazer sobre isso.
todos os personagens de Miguelito — com uma única sombria exceção — possuem um equivalente no seriado Chaves, que também se passa em uma pequena vila, também possui um humor baseado em comédia física, também conta com adultos interpretando papéis de crianças, mas com uma diferença crucial: o Miguelito não mora num barril, ele mora em uma caixa. então não dá pra ter certeza se é cópia mesmo. não é Chaves. você não prestou atenção na chamada? é Miguelito, o seu novo amiguinho.
a descoberta
no dia 22 de março de 2023, popularmente conhecido como quinta-feira, o usuário do YouTube PauloDias95 desceu dos céus como um Deus e trouxe para nós, meros mortais, uma coleção de valor inestimável do seriado Miguelito. uma apresentação da série, vinhetas de intervalo, abertura e encerramento e nada mais nada menos do que seis episódios da série completos — é como se a biblioteca de Alexandria tivesse retornado das cinzas e trazido consigo diversos versículos inéditos da Bíblia sobre um garoto pobre que vive em uma vila com seus amigos
mas como PauloDias95 adquiriu essas fitas raríssimas de um seriado que durou apenas cinco dias em um canal de televisão na época pequeno e hoje ainda menor? tendo contatos. ele é neto de um dos atores da série, o saudoso Luiz Baccelli, também conhecido como o médico da Camila em Laços de Família — ou seja, enquanto o Dr. César aparecia no quarto de hospital dela ao som de Love by Grace, ele provavelmente pensava que ia ter que contracenar com adultos vestidos de criança no dia seguinte
os personagens
ok, vamos deixar isso claro de uma vez por todas. o Miguelito é o Chaves. sei o quão chocante isso pode parecer para as pessoas, mas é a mais pura verdade. a dona Tita é uma versão mais furiosa ainda da dona Florinda, o seu Picoco é um professor Girafales só que dono de uma mercearia, o seu Flodoaldo é o seu Madruga só que com menos carisma, e o seu Otávio é uma versão muito mais legal do seu Barriga — eles realmente transformaram o personagem em um vilão que cobra aluguel, e isso é muito anticapitalista
a única personagem que parece não ter um equivalente em Chaves é a dona Dina, professora da turma. então, vamos falar sobre a dona Dina: ela é assustadora. primeiro que ela nunca aparece junto com os outros personagens da série nas várias situações que ocorrem: todas as aparições dela são conversando com um personagem em um lugar específico da vila — no caso, a fonte. é como se ela fosse um guia espiritual das crianças ou algo do tipo
e a performance da atriz, a Luah Galvão, é tão estranha. pra mim, a dona Dina é praticamente uma personagem de Twin Peaks: caricata, por vezes quase infantil, mas com um quê de mistério no ar — e quando alguém chama ela de dona Leopoldina ao invés de dona Dina uma música assustadora toca e ela fica furiosa, o que é muito surreal
é evidente que ela esconde algum segredo obscuro que seria revelado apenas no último episódio do seriado, possivelmente envolvendo algum ou vários assassinatos. eu também mataria alguém se colocassem a pior peruca da história da teledramaturgia na minha cabeça
os episódios, pt. 1: O Bolo
os seis episódios disponíveis no canal PauloDias95 não necessariamente seguem uma fórmula, mas são todos extremamente genéricos — histórias que qualquer pessoa que recebesse um briefing da personalidade dos personagens poderia pensar em cinco minutos. em O Bolo, por exemplo, a dona Tita prepara um bolo para o aniversário do seu Picoco que não pode, de jeito nenhum, ser consumido — o que acontece depois irá chocá-lo
O Bolo tem muito cara de ter sido o piloto da série. todos os personagens estão aí mas com alguns detalhes diferentes na caracterização, e quase todo o episódio se passa na cozinha da dona Tita — como se eles quisessem gastar o menos possível com cenários. a sequência de eventos altamente previsíveis que ocorre no episódio é a prova de que quem escreveu essa série não gostava mesmo de ter que pensar em histórias
dona Tita prepara um bolo. Miguelito invade sua casa e come o bolo. crianças se desesperam. Miguelito compra um novo bolo e o come novamente. crianças ficam cinco minutos tentando fazer um bolo enquanto gritam, fazem piadas bobas e desperdiçam ingredientes. dona Tita descobre e manda Miguelito embora da vila, tal qual uma tirana sem coração. dona Tita sente remorso e decide poupar Miguelito do sofrimento
como você pode perceber, essa história não tem nenhuma relação com qualquer episódio de Chaves. O Bolo é um ótimo resumo do que é Miguelito porque todos os elementos que transformam esse seriado em uma das experiências mais indecifráveis da história da televisão brasileira estão aqui — e muitas dessas coisas são apenas detalhes, mas que vão se acumulando como se fosse uma bola de neve e de repente você vê e o negócio virou uma avalanche
a claque que eles usam no seriado, por exemplo — aquelas risadas de fundo pré-gravadas. por algum motivo, uma das risadas usadas nessa claque tem um som super maléfico, como se fosse um capeta ou similares — eu não sei explicar o que eu quero dizer, mas essa risada masculina no final me dá medo? e eu tenho 26 anos de idade? e estou com medo de uma risada em uma claque do seriado Miguelito? uma série em que um marmanjo imita os trejeitos do Chaves e a voz do dublador do Chaves?
sem contar o uso completamente indiscriminado de dita claque durante os episódios. tem vezes que os personagens contam uma piada e ok, ouve-se as risadas no fundo, mas tem outras vezes em que uma suposta piada é contada mas não há claque? e nesses momentos eu entro em uma confusão mental seríssima, porque eu começo a me questionar se aquilo era pra ser uma piada ou não era. meus olhos e ouvidos estão me enganando? por que essas risadas estão fora de sincronia? Deus existe ou nossa existência é vazia e sem sentido?
O Bolo pode até ser genérico, mas ele nada mais é que um episódio normal de sitcom. ele não é péssimo, só não tem nada de especial. infelizmente, não posso dizer o mesmo daquele que é uma das obras televisivas infantis mais ofensivas que eu já vi em toda a minha vida: O Regime.
os episódios, pt. 2: O Regime
um episódio sobre o regime do Khmer Vermelho teria sido mais aceitável. em O Regime, as crianças da vila começam a ficar cada vez mais aborrecidas com o Bolão pelo fato dele ser gordo e não conseguir brincar com elas — ele tenta jogar bola, mas cansa muito rápido. tenta pular corda, mas não consegue. vai brincar de bambolê? o brinquedo não passa da cintura.
portanto, na visão do seriado, o que deve ser feito? colocar o Bolão em um regime. as crianças começam a ajudar ele a se exercitar, mas isso rapidamente se transforma só em uma série de humilhações contra o garoto. enquanto a turma o força a fazer flexões, por exemplo, Lilica exclama:
“Bolão, agora você vai emagrecer”.
e após não conseguir fazer um dos exercícios, Bolão é atacado com golpes de karatê e desmaia — lembrando que tudo isso é pra ser engraçado
enquanto isso, as crianças não deixam o Bolão comer literalmente nada — pois ele é gordo, ele precisa emagrecer e o único jeito de emagrecer é não comendo. eventualmente ele começa a delirar de fome e tenta comer um sapato velho do chão pensando que é um frango — novamente, isso é mostrado com muitas risadas ao fundo. pode parecer que eu estou tentando descrever essa cena de um jeito que faça ela parecer horrorosa, mas não, eu estou apenas descrevendo os fatos, e descrevendo os fatos a gente percebe o quão errada toda essa situação é. “eu não posso comer nada, eu tenho que fazer regime” é literalmente uma frase que o Bolão fala enquanto passa fome
e parece que nem mesmo o adulto que eles mais confiam, a dona Dina, consegue dar um fim nesse absurdo. em uma cena estranhíssima, ela explica pro Bolão que as crianças estão certas e que não pode comer doces e bolos, só frutas, cereais e legumes. mas doce não pode, segundo a professora, pois aí você “infla, infla, infla, vira um balão e explode”. por que todos os personagens dessa série estão tentando causar um transtorno alimentar no Bolão?
a única pessoa que acaba falando algo sensato, bem no finalzinho do episódio, é a dona Tita — personagem que normalmente é tida quase como uma vilã da série. ela diz para as crianças que o Bolão não pode parar de comer assim, do nada, e que o melhor regime que existe é mudar os hábitos alimentares — ou seja, comer de tudo, incluindo doces e bolos, só que sem exagero e nas horas certas. e essa fala só aconteceu depois de vinte minutos das cenas mais gordofóbicas já colocadas na televisão mundial
O Regime, ao mesmo tempo em que é uma obra de arte abominável, é uma verdadeira cápsula do tempo para uma época em que a sociedade simplesmente não tinha regras. até cerca de dez anos atrás, você podia fazer qualquer coisa em todo lugar e as consequências não existiam — você podia mostrar um suicídio ao vivo no Aqui Agora, você podia colocar um jovem com síndrome de Seckel pra imitar o Latino em um dos horários mais assistidos da televisão e o que acontecia com você? absolutamente nada.
se tem uma coisa boa sobre O Regime, é que esse episódio me fez pensar que graças a Deus o mundo não é mais desse jeito — e esse é o mais perto que Miguelito chegou de me fazer pensar em qualquer coisa
sobre os outros quatro episódios, não tem tanta coisa assim pra falar. talvez o meu favorito de toda a série seja Múmias, uma história de halloween genuinamente divertida e até mesmo um pouquinho engraçada. o Marquinhos conta pra Lilica uma história sobre múmias e, como vingança, ela e o Miguelito se vestem de múmias e assombram o Marquinhos de madrugada — tudo isso com muita iluminação dramática.
eventualmente, com a vila toda alvoraçada com a possibilidade de monstros estarem à solta por aí, o Miguelito aparece e fala que múmias adoram comer kibe, esfihas e tabule, portanto, o melhor jeito de capturar as criaturas seria deixar essas comidas na janela durante a noite. e aí obviamente ele vai lá e come tudo de madrugada. ah, vai, é uma história fofa. é bobinha no melhor sentido da palavra
e o resto é mais genérico. em Lugar de Lixo é no Lixo, as crianças aprendem que deixar lixo no chão da vila é ruim — mas isso é contra os interesses da versão Miguelito do seu Barriga, o seu Otávio, que pretende transformar a vila em um lixão para que todos os moradores saiam de lá — apesar de que assim ele jamais receberia qualquer dinheiro do aluguel. já em Cachorrada, as crianças brincam com bonecos de meia em cenas longas que parecem quase que totalmente improvisadas, e no curta Marte, elas tentam construir um foguete pra ir pra Marte — que nem o filho da puta do Elon Musk
o que me causa algo próximo a depressão é saber que ainda existem 19 episódios completamente perdidos de Miguelito que possivelmente nunca serão encontrados, e só Deus sabe quais obras de arte estariam nessas fitas perdidas do seriado. um episódio em que todos vão de férias para um hotel cinco estrelas no Guarujá? uma história sobre espíritos bobalhões? jamais vimos a bola hexagonal do Marquinhos. será que ela seria mostrada algum dia? não tem como saber.
considerações finais
em suma, Miguelito existiu ontem, existe hoje e existirá para sempre.
você está assistindo Miguelito.
eu destruirei vocês #71: você está assistindo Miguelito
só assisti o episódio do regime até agora, mas a cena da Dona Dina vai viver na minha mente para todo o sempre
O BOLO
Tem cara de piloto, é sem graça, mistura o conceito de 3 episódios diferentes de Chaves, mas pelo menos carrega a ideia inicial até o fim. Achei muito bizarra a cena do segundo bolo chegando e as crianças com ZERO auto controle comendo o novo bolo de maneira bestial sem pensar em nenhuma consequência.
REGIME
O pior de todos. Além de toda problemática do roteiro, é bizarro como as cenas são longas e curtas simultaneamente. Os roteiristas não conseguem fazer uma cena continua com mais de 2 minutos e tem que ficar usando aquela transição do relógio 2d toda hora pra poder continuar no exato mesmo cenário. Podre.
CACHORRADA
por que caralhos aqueles fantoches não tem NENHUM traço de cachorro? Era só colocar duas orelhas e um pompom no nariz, pelo amor de Deus, por que ninguém fez isso? POR QUE o Seu Picoco deu essa ideia de concurso e nem pensou em participar como avaliador, ou ajuda? serviu pra nada
Tem a única piada que eu ri legitimamente na série inteira que é o MIGUELITO virando pra câmera no final e fazendo ".....auau!".
MÚMIAS
Tem a melhor ambientação da série, mas o roteiro é muito maluco e tenta MUITO imitar o Fantasma do Seu Barriga. Eu ri legitimamente da Dona Tita querendo me convencer de que aquelas Bibsfiha's tinham sido feitas com as mãos dela.
LUGAR DE LIXO
Episódio com cenas quase tão longas quanto a do Regime, simplesmente impossível entender qual é a do Otávio que aqui mistura Dr Abobrinha e Robbie Rotten. O Seu Picoco é o maior idiota burro tonto da história. Odiei assistir.