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eu destruirei vocês #74: eu odeio sudoku
jogos de picross, curtas do David Lynch e Inter de Lages 3-3 Ferroviário/PR
eu estou cansada de fingir que eu gosto de sudoku. é isso mesmo que você ouviu: eu nunca vou aceitar a popularidade disso, não importa o quanto a sociedade me obrigue a gostar deste tenebroso entretenimento numérico japonês. pra começo de conversa, as revistinhas de sudoku da Coquetel vinham obviamente incompletas: todos os passatempos nelas possuem números faltando, como se o trabalho de completar o tabuleiro tivesse que ser do cliente que comprou o livrinho ao invés da próprio editora. fora que um passatempo que tem números ao invés de letras é uma completa aberração da natureza
e é por isso que eu gosto tanto de picross. tem número nele? sim, mas também graças a Deus tem figurinha. não só números frios e sem emoção, também tem um lindo desenho de uma ave ou de uma flor quando você completa o passatempo, uma recompensa pelo seu árduo trabalho. se eu recebesse ilustrações relacionadas à natureza no meu emprego ao invés de dinheiro, eu seria muito mais feliz. picross é incrível e pra mim, o melhor jeito de jogá-lo sempre vai ser via videogames
o game que fez eu me apaixonar por esse passatempo foi Picross DS, lançado em 2007 para — adivinha só — Nintendo DS. essa era a época em que eu tinha um R4 no meu DS, ou seja, eu podia baixar literalmente qualquer jogo e colocar ele no meu console, o que resultou em uma das épocas mais mágicas da história para a pirataria depois do século XVIII
este foi o primeiro jogo da série Picross, criada pelo estúdio japonês Jupiter e desde o início tendo seus jogos lançados com o selo da Nintendo. os games de picrros da série Picross possuem uma estética super simples, bem típica daquela era da Nintendo no começo do Wii — um minimalismo levado ao extremo. na tela de baixo, o passatempo em si, com praticamente só duas cores na tela: branco e azul. na tela de cima, você vê a bela imagem de um gatinho se formando, como se fosse mágica. além da versão pra DS, foram lançadas nove versões diferentes para 3DS e mais sete pra Switch, isso sem contar os spin-offs tipo My Nintendo Picross: The Legend of Zelda: Twilight Princess. perfeito pra quem sempre quis um passatempo do pior Zelda que existe
nos últimos anos, jogos de Picross tem se tornado mais populares e se misturado com outros gêneros, ou seja, tem coisas estranhas sendo desenvolvidas. PictoQuest: The Cursed Grids, por exemplo, é um jogo de Picross misturado com RPG — e sim, isso surpreendentemente funciona. o gameplay é fundamentalmente um jogo de Picross, no qual você completa os passatempos e tal, mas a cada coluna/linha que você completa você automaticamente ataca um inimigo, que fica ao lado do tabuleiro. é uma dinâmica parecida com Tetris competitivo, em que você envia um ataque para o outro lado da tela quando consegue derrubar um número elevado de linhas. esse é um RPG longe de ser complexo, mas só por existir ele já se torna único
mas o melhor jogo de picross de todos os tempos nem mesmo é de picross, se tu parar pra pensar. Picross 3D, lançado em 2009, é picross só que 3D. ouso dizer que essa é a obra-prima-mor da HAL Laboratory — e olha que essa é a impressa responsável pela criação do Kirby, ou seja, Picross 3D é melhor do que uma bola rosa
o gameplay é um pouco difícil de explicar, mas basicamente o tabuleiro é um cubo e não um tabuleiro — ele não é plano, sabe? é tudo 3D. eu acho que a capa do jogo explica perfeitamente o conceito, na verdade: é só olhar ela e tu vai ser esclarecido. é um gênero de game totalmente novo, mas se você já tem o conhecimento prévio das artimanhas do picross, vai se apaixonar quase que instantaneamente. e mesmo sendo algo tão diferente e inovador, ele não é um conceito raso, daqueles que você joga cerca de meia hora e já se cansa. Picross 3D possui centenas de cubos de picross, em 3D, para você solucionar — e eventualmente eles ficam dificílimos, coisa de uma hora pra conseguir resolver um cubo, como se este cubo fosse um chefe de Final Fantasy X. em suma, eu amo a palavra cubo
e um outro jogo bacana é Mario's Super Picross, mas eu só falo isso porque a capa dele é muito bonita. um Mario metamorfoseando-se em cubo
olá, bom dia/boa tarde/boa noite! este texto a seguir originalmente foi lançado na edição #X2 da 𝒆𝒖 𝒅𝒆𝒔𝒕𝒓𝒖𝒊𝒓𝒆𝒊 𝒗𝒐𝒄𝒆̂𝒔, no dia 9 de janeiro de 2023, exclusivamente para assinantes pagos da newsletter.
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dois segundos de terror
os curtas-metragens de David Lynch
uma das experiências com arte que mais moldaram quem eu sou foi quando em 2013, nas férias de verão da escola, aos 16 anos de idade e com uma conta da Netflix e um sonho, maratonei as até então duas temporadas de Twin Peaks. para aquela adolescente que havia acabado de reprovar em física, química e matemática, foi um momento único: a descoberta de que entender alguma obra de arte não é necessariamente importante, e que algo quase incompreensível pode ter um efeito tão grande quanto algo com uma história explícita e coerente. os efeitos que as cenas do black lodge tiveram em mim foram enormes e eu seria uns 50% menos maluca se nunca tivesse assistido aquilo
e foi a partir desse momento que eu fiquei fascinada pela filmografia do David Lynch. reassisti Twin Peaks logo depois de terminar e fiz uma imersão nos filmes dele — foi onde eu descobri que Eraserhead é a maior obra de arte do século XX, Império dos Sonhos é a maior do século XXI e que Duna realmente é muito ruim. mas eu gosto até de On the Air, aquela sitcom bizarra que ele fez com o Mark Frost logo depois do Dale Cooper quebrar o espelho
só que o David Lynch não fez só filmes e séries de televisão. a quantidade de curtas-metragens e comerciais de perfume & outros produtos que ele já dirigiu é colossal, e grande parte desses trabalhos é completamente ignorada — ao ponto de alguns deles terem menos de quinze mil visualizações no YouTube, e até os últimos clipes do Felipe Dylon tem mais alcance do que isso. esse inclusive é o caso daquele que é o meu curta-metragem favorito do David Lynch: Absurda, de 2007. 12,394 visualizações
uma sala de cinema gravada em uma posição fixa por dois minutos e trinta e um segundos conta a história de um assassinato inesperado — a arma do crime foi uma tesoura. pra mim, o que o David Lynch faz de melhor é terror, e esse curta é quase como se fosse um mini-curso de lynchianismos: temos os rostos distorcidos, os modelos 3D quase primitivos, a fumaça branca denotando que alguma coisa tá errada e a perplexidade e confusão mental de quem está sofrendo nas mãos do destino criado pelo Lynch. mortes, gritos e danças: tudo que um bom filme precisa ter
e Premonitions Following an Evil Deed, de 1995, tem uma dessas três coisas. esse é um curta-metragem criado pra antologia Lumière and Company, que convocou vários diretores famosos pra criar várias curtas baseados no trabalho dos irmãos Lumière, os tais inventores do cinema lá no final dos anos 1800. e o que o David Lynch fez? cenas quase desconexas com umas transições bizarras e fogo. é um filme de terror que só tem terror por uns quatro segundos, e eu pagaria pra voltar no tempo e ver o pessoal nos cinemas em 1896 assistindo esse curta logo depois de quase morrer do coração com o trem saindo da tela
a primeira vez que eu fui assistir Steps, de 2004, admito que achei chato a ponto de parecer uma paródia dos trabalhos do Lynch, mas repensando dias depois, tenho cada vez mais certeza que ele é a obra mais representativa da carreira dele. Steps consiste em quatro minutos de um timelapse de uma escada e nada acontece nessa escada. a iluminação da escada muda um pouco, devido ao passar do dia, mas ninguém desce pela escada, não aparece nenhum bicho ou monstro nela, nada
tudo nesse trabalho é sobre a atmosfera. esse safado do Lynch consegue transformar algo super mundano e sem propósito em um quasi-filme de terror só usando o áudio — isso não ter sido indicado ao Oscar de melhor som é um afronte ao cinema. sons de carros passando misturados com um drone que vai aumentando cada vez mais de intensidade. arte na sua mais pura forma, e é literalmente só um vídeo de uma escada
e além de curtas, o David Lynch já fez muitos comerciais. todo mundo conhece as propagandas do café em lata japonês Georgia Coffee, que são praticamente uma sequência de Twin Peaks em três minutos, mas ele já fez até comercial pro PlayStation 2 — que eu não curto tanto assim, já que pra mim faria muito mais sentido ele ter feito um comercial pro Dreamcast. de todas as propagandas que ele já dirigiu, a minha favorita é a criada para o lançamento do tênis Adidas Tubular, em 1993
extremamente David Lynch esse negócio — tem fumaça branca, tem fogo aleatório, tem rostos distorcidos. é como a abertura de A Indomada seria se o Hans Donner fosse só uns 2% mais maluco. começa normal, com um cara correndo numa estrada de uma metrópole, até ele ascender aos céus — e é exatamente isso que vai acontecer com você se adquirir o nosso novíssimo Adidas Tubular
o Lynch é tão incrível que ele consegue fazer até um comercial de pastilha pra resfriado virar algo divino. essa propaganda de Alka Seltzer Plus tem certamente a representação de uma cura de resfriado mais linda já vista na telinha — quilômetros a frente de qualquer propaganda de Vick Vaporub que passe nos intervalos da Record. e o fato de antes desse comercial eu não conhecer esse produto e agora adorar ele mostra que toda empresa devia chamar diretores experimentais pra fazer suas propagandas
eu quero um comercial de gelatina Dr. Oetker dirigido pelo Alan Resnick
considerações finais
saca só esse demake extremamente legal/ilegal de Kirby and the Forgotten Land como se fosse um jogo de NES, feito por um grupo de fãs. é até chocante ver um demake que existe em uma forma física e não só como um conceito que nem quase todos os outros — exceto Bloodborne PSX
o Criciúma começou a Série B vencendo o Tombense com um gol aos 38 segundos de jogo, o que resultou em uma das melhores narrações dos últimos tempos
“(…) um ótimo campeonato pra você torcedor do Tombense, e já vem o Criciúma no primeiro ataque, tem Éder, GOOOOOOOL”
falando em futebol, gols, bolas, estádios e etc., o site oGol agora possui, depois de anos de pesquisa, todas as fichas técnicas de todos os jogos da história do Brasileirão. quer saber como foi Inter de Lages 3-3 Ferroviário/PR pela Taça Brasil de 1966? tá na mão
melhor música do século, meu Deus do céu, inacreditável o que esse doido conseguiu fazer
hora de recomendar um jogo pequeno do itch.io: Shape of Mind é um dos puzzles mais legais que eu joguei nos últimos tempos. uma estética zen, como se fosse uma mãe de meia-idade dos anos 2000 que faz yoga e pilates
inteligência artificial sendo usada para o bem
eu destruirei vocês #74: eu odeio sudoku
sudoku é palavra cruzada pra analfabeto. estou 100% de acordo com o seu hate
na faculdade de comunicação a gente tinha dois professores: o genérico que passava os comerciais da apple e pepsi e a maluca que passava os comerciais do david lynch. muitos gostavam do genérico, e é claro que a parcela da sala, os esquisitos contra cultura disruptivos amavam a gênia incompreendida
obg pela news dessa semana por trazer essa bela lembrança