eu destruirei vocês #X18: os 25 discos favoritos de isabela thomé [ABERTO]
25 análises de 25 álbuns musicais
olá! sejam bem-vindes a uma ideia completamente maluca.
ao longo dos próximos minutos/horas, você lerá 25 análises dos meus 25 álbuns musicais favoritos, naquela que é de longe a edição da eu destruirei vocês mais longa já escrita.
todos os discos incluídos nesta lista marcaram a minha vida de algum modo ou outro, e eles não estão em nenhuma ordem específica.
recomendo escutar todos eles, ou não. a escolha é sua.
desde já, muito obrigada a todo mundo que lê, já leu ou vai ler a eu destruirei vocês. e a quem não pretende fazer nenhum dos três também. até a próxima!
Steve Hiett — Down on the Road by the Beach (1983)
esse é o único disco que realmente entende o que é o verão: uma estação melancólica que existe apenas nos seus sonhos e lembranças. você não pode viver o verão. não é algo que você experiencia, é algo que você só lembra. o verão é uma música com reverb e uma fotografia misteriosa de uma mulher coberta por uma sombra
Steve Hiett nasceu no dia 26 de dezembro de 1940 e não era sequer um músico. a maior parte da sua carreira foi dedicada à fotografia, trabalhando em revistas como Marie Claire, Vogue, Elle e várias outras publicações importantíssimas no mundo da moda — e na única vez em que tentou fazer música, criou uma das obras mais impactantes da história. é como se o Selton Mello decidisse fazer um álbum e acabasse criando uma obra-prima do cloud rap sem querer
Down on the Road by the Beach foi o pioneiro de uns cinco gêneros diferentes. ele ao mesmo tempo parece um álbum do Mac DeMarco, Animal Collective, Candy Claws, Tame Impala e Stereolab. ele é shoegaze ao mesmo tempo em que é ambient, é synth pop ao mesmo tempo em que não tem sintetizadores. é um disco de verão que funciona melhor nas madrugadas de inverno. é um experiência etérea que te faz lembrar de tempos melhores. o rock dos anos 1950 visto de longe e por uma lupa. coisas que você não esquece. coisas que eu sei
Brian Wilson — Brian Wilson (1988)
em 1988, Brian Wilson não estava no topo de nada. pra falar a verdade, era o contrário. monitorado 24 horas pelo psiquiatra Eugene Landy, que o impedia de ir ao supermercado sozinho ou fazer outras coisas normais de ser humano, a sua única saída era a música — literalmente. Brian Wilson foi o primeiro disco solo de uma carreira que naquele momento já se estendia por 25 anos — com talvez 2 ou 3 anos de liberdade irrestrita. um passarinho na gaiola que dava muito dinheiro
eu não sei se Brian Wilson era exatamente o que Brian Wilson queria produzir, e é impossível dizer com exatidão o quanto as escolhas artísticas nesse disco vieram dele ou foram impostas a ele. o que se pode ter certeza é que as melhores músicas do álbum são descaradamente Brian Wilson. Meet Me In My Dreams Tonight é uma brilhante canção sobre carros e mulheres atualizada para a década de 1980, Rio Grande não é um cover de Gaúcho da Fronteira e Melt Away é uma música inacreditável sobre como o amor cura tudo e todas aquelas baboseiras que são verdade
e acima de tudo, Love and Mercy é a melhor canção já escrita na história da humanidade. já pensei muito sobre isso ao longo dos anos e nada consegue chegar perto do que essa música me proporciona. em determinado momento do videoclipe abaixo, Brian Wilson finge que toca piano durante uma seção da música e de repente, no meio do verso, abruptamente para e se escora no piano. tem vezes que acordes letras e instrumentos falam por si só
Aztec Camera — Love (1987)
na terceira faixa de Love, disco pretensiosamente intitulado da banda escocesa Aztec Camera, o compositor Roddy Frame afirma que Everybody Is a Number One. em uma sociedade capitalista, isso é uma enorme mentira. na mesma canção, ele afirma que “se fosse um poeta, atiraria uma pedra”. tudo bem. ele pode fazer isso. a lei o permite atirar uma pedra, desde que ela não atinja ninguém.
Love é reconhecido quase unanimemente como o pior disco do Aztec Camera, sendo que ele é um dos 25 maiores discos da história da música. isso se deve ao fato de críticos musicais sérios possuírem uma aversão quase instintiva a qualquer coisa que eles acreditem ser pop demais. Love é um disco altamente pop, mas se um ser humano não sente nada escutando as harmonias estupendas de Deep and Wide and Tall, a nostalgia latente a Killermont Street, a afirmação de que em algum lugar do meu coração há uma estrela que brilha para você em Somewhere in my Heart, ele claramente não possui mais uma alma.
se você foi consumido pelo cinismo e não consegue mais apreciar obras de arte com coração, meus pêsames. eu posso, e é por isso que Love é uma obra-prima
Dick Slessig Combo — Wichita Lineman (2004)
haters da internet irão me parar no meio da rua e, desesperados, afirmarão que Wichita Lineman, do misterioso grupo Dick Slessig Combo, não é um álbum. mas se você tem uma visão rasa do que é ou o que não é um álbum, a culpa não é minha.
Wichita Lineman originalmente era um canção do falecido cantor country Glen Campbell e um dos grandes clássicos do gênero, com uma introdução belíssima contendo cordas e um riff de violão. a versão do Dick Slessig Combo possui 42 minutos de duração e é uma improvisação em cima da intro da canção original.
mas chamar isso apenas de uma “improvisação” é até um crime: o que o grupo faz nesses 42 minutos é criar uma atmosfera única, jamais superada nem igualada por ninguém nos subgêneros de drone e ambient. dizem que quando você está morrendo, segundos se tornam horas. nesse sentido, Wichita Lineman talvez seja o mais próximo que o ser humano já chegou da morte em uma música. é algo etéreo, celestial e inacreditável. and i drive the main road
Grippers Nother Onesers — Live at Slimer Beach (2009)
um disco sujo, podre, cheio de mofo e larvas em seu corpo carcomido — e também a obra de arte mais acessível que James Ferraro já produziu. se você é fã de música pop mas gostaria de escutar um álbum que parece ter passado por um triturador de papel, um triturador de metal, uma máquina de lavar sem sabão em pó, um triturador de carne, outro triturador de papéis com maior gramatura e uma máquina de cortar grama, você precisa ouvir Live at Slimer Beach. isso aqui não é que nem um álbum do Ariel Pink: é extremo de verdade
se você quiser ser propositalmente redutivo, Live at Slimer Beach é um disco de surf rock. todos os riffs estilo Dick Dale estão aí, com a diferença de que todas as músicas parecem ter sido gravados embaixo da areia — ou dentro de uma caverna. é como se o seu toca-cassete do carro estivesse possuído por alguma força demoníaca. aquela fita que você comprou no posto de gasolina não era normal. tem algo de muito estranho acontecendo. gravação em VHS da final do Garota Verão de 1997 realizada em Capão da Canoa.
Andrew Jackson Jihad — Christmas Island (2014)
quando uma banda punk decide que na verdade não é mais tão punk assim, duas coisas acontecem: eles perdem totalmente o sentimento de vanguarda e se tornam apenas mais um grupo fadado a realizar turnês internacionais pelo sul do Brasil, ou eles fazem mágica. Christmas Island, mais do que qualquer outro disco da banda anteriormente conhecida como Andrew Jackson Jihad, é mágica. você não precisa ser punk para fazer um disco punk. você nem mesmo precisa fazer um disco punk. é só fazer o que você quiser
Coffin Dance é uma canção anti-folk meio gótica-Tim-Burton com participação do vocalista do Xiu Xiu, Jamie Stewart. ela não é punk. Getting Naked, Playing With Guns é uma música sobre nostalgia & colocar um hamster no micro-ondas. Do, Re and Me possui violinos, e você não conhece nenhuma música punk que tenha um violino. Linda Ronstadt é tão linda, sensível e delicada que é uma das duas músicas que já me fez chorar na vida — eu não irei falar qual é a outra nesta edição, nem em qualquer edição futura que eu tenho planejada.
eu irei falar, porém, que Linda Ronstadt é melhor do que qualquer canção da cantora country Linda Ronstadt. isso é um fato.
Car Seat Headrest — 3 (2010)
3 é um dos álbuns mais online de toda a história da música. uma ode à adolescência, madrugadas no Skype, comunidades virtuais, o fascínio que se torna amor. também uma ode à viadagem e pornografia furry. no lançamento de 3, o cantor e compositor Will Toledo não era ninguém na cena musical: ele só assinaria com uma gravadora pela primeira vez na carreira cinco anos depois e nenhum dos discos pelos quais ele é celebrado até hoje por adolescentes no TikTok e jovens adultos no Reddit havia saído — ou sequer sido escrito. 3 é um disco incrivelmente imaturo em todos os sentidos, e mesmo assim, ele funciona
3 é o indie rock lo-fi no seu melhor e mais humano — tão lo-fi que até poucos anos atrás, as letras do disco nem eram conhecidas em sua totalidade, já que literalmente não dava pra entender o que ele estava cantando em vários momentos. eu não sei o que está sendo cantado em psst, teenagers, take off your clothes, uma das 11 faixas do disco com o título em letra minúscula, mas não importa. o que está sendo dito em portrait of the artist as a young fag é um mistério que eu não quero resolver. beach fagz é qualquer coisa menos heterossexual
3 é um álbum dos Beatles se todos eles fossem usuários do FurAffinity
Prefab Sprout — Jordan: The Comeback (1990)
eu reservo a palavra gênio para poucas pessoas no mundo, e uma delas é Paddy McAloon. compositor de praticamente todas as músicas do Prefab Sprout, ele tem uma sensibilidade pra música pop que eu só consigo comparar com o Brian Wilson — uma sinceridade latente em tudo que ele produz. a imensa maioria dos músicos em 1990 jamais escreveria algo tão brega, cafona quanto We Let the Stars Go, mas o Paddy escreveu, e eu agradeço demais ele por isso
Jordan: The Comeback é praticamente uma jornada pela história e diversidade da música pop em 19 canções de amor, e em nenhum momento o que Paddy McAloon escreveu deve a qualquer Paul McCartney, Joni Mitchell ou Carly Simon. Wild Horses é a melhor música do Steely Dan, Looking for Atlantis é uma versão atualizado do rockabilly de Elvis Presley e em Carnival 2000, ele realmente tentou fazer uma versão britânica de um samba. inacreditavelmente, funcionou
não existe qualquer indício de que as canções de amor em Jordan: The Comeback tenham sido escritas ironicamente ou cinicamente. todos os sentimentos demonstrados nesse disco são reais, verdadeiros, e acima de tudo, muito bregas. mas se isso fosse uma coisa ruim, ninguém escutaria Agepê
Luiz Melodia — Pérola Negra (1973)
te amo, te amo. antes de realmente parar e escutar Luiz Melodia, ele na minha cabeça era apenas mais um daqueles intérpretes dos anos 1970 que faziam músicas tristes para senhoras divorciadas — um negócio semi-Benito de Paula. hoje, eu tenho consciência de que esse foi um dos maiores erros que eu já cometi em toda a minha vida. ninguém nunca havia me falado que o Luiz Melodia é muito estranho
Pérola Negra é um disco com todos os gêneros já existentes na história da humanidade — se bobear, existe alguma parte disso que tenha influências do hyperpop. Farrapo Humano é um delta blues psicodélico, Vale Quanto Pesa parece algo escrito pelo Raul Seixas, Pra Aquietar é uma música semi-Jovem Guarda e tem muito samba, samba soul e samba rock por todo o disco
se você me perguntar o gênero da canção Pérola Negra, porém, eu não vou saber te dizer. o instrumental é quase um cool jazz meio depressivo e melancólico, mas a minha capacidade de síntese começa e termina aí. não existe nada parecido com Pérola Negra, o que torna qualquer tentativa de comparação algo inútil. é como se ela tivesse sido a primeira música da história a ser escrita
The Beach Boys — Pet Sounds (1966)
tem vezes que eu realmente sou desinteressante, mas tudo bem. Pet Sounds mudou a minha vida e é isso que importa. talvez seja uma experiência universal para crianças e adolescentes com um interesse em rock procurar a lista de 500 melhores álbuns da história feita pela Rolling Stone e decidir que precisa escutar todos — quando se é jovem, a sede de conhecimento e a curiosidade sobre o mundo ainda é forte. você provavelmente desiste dessa tarefa antes de terminar o top 20, mas até lá, você já escutou o suposto segundo melhor álbum de todos os tempos: Pet Sounds. que é infinitamente melhor que o suposto melhor álbum de todos os tempos, Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band
Pet Sounds é aquela coisa de jovem, sabe. hoje em dia nós temos a Olivia Rodrigo, na época eles tinham o Brian Wilson. esse é um disco tão essencial pra minha vida que é até difícil encontrar coisas pra falar sobre ele — tudo que me era possível pensar sobre ele já foi pensado. eu já escutei esse disco no carro dos meus pais em 2008, na sala de aula do Colégio Energia durante o intervalo em 2011, durante uma viagem pra Balneário Camboriú em 2014, sozinho no meu quarto em 2017, sozinha no meu quarto em 2022. não importa o quanto eu mude, ele continua igual
Japanese Breakfast — Psychopomp (2016)
eu tenho um certo orgulho besta de ter descoberto a música & obra da Michelle Zauner antes do lançamento do primeiro álbum de estúdio dela — lá por 2015, eu procurava constantemente músicas novas na tag bedroom pop do Bandcamp e um dia, descobri um EP chamado American Sound de uma tal Japanese Breakfast que eu nunca tinha ouvido falar. e entre todos os discos e singles do gênero na época, esse conseguiu se sobressair simplesmente por ser esplendoroso
boa parte das músicas de American Sound foram regravadas para Psychopomp, em versões que conseguem de algum modo manter a intensidade da original — uma tarefa quase impossível em regravações. mais incrivelmente ainda, Psychopomp consegue ser uma obra coerente mesmo sendo quase uma coletânea ao invés de um disco realmente pensado e projetado para ser daquele jeito
Psychopomp é talvez a maior obra-prima da música independente dos anos 2010. é como se o Jerry Adriani decidisse fazer um álbum do Yo La Tengo: uma sensibilidade pop altamente aguçada em canções de dois minutos, ao mesmo tempo em que possui as letras mais desconcertantes possíveis. you should try to do as little harm as you can to the woman that loves you
Marlene — Te pego pela palavra (1974)
esse aqui é um disco ao vivo — por favor, não jogue as pedras ainda. Marlene é uma daquelas cantoras pré-bossa nova que eram extremamente populares em sua época, mas foram quase esquecidas depois da revolução musical brasileira — um negócio meio Francisco Alves, Dalva de Oliveira, Linda Batista, todo aquele pessoal da era de ouro do rádio. mas ela não parou no tempo: nos anos 1960 e 1970, gravou várias músicas da nova geração — Milton Nascimento, Marcos Valle, etc. — que inclusive resultou no show É a maior!, lançado em 1970. e escutando Te pego pela palavra, fica evidente que ela foi a maior que já tivemos
Te pego pela palavra é um show com uma intensidade inacreditável — ainda mais pensando se tratar de uma artista com 50 anos de idade e mais de 30 de carreira na época, com mais nada a provar para ninguém. dirigido por Hermínio Bello de Carvalho e Arthur Verocai, o disco tem dois lados e também duas faixas — praticamente o negócio inteiro é um medley gigantesco, com dezenas de músicas coladas uma na outra e uma performance absolutamente perfeita não só da Marlene como também da banda de apoio. ela consegue transitar entre o samba, o forró, o pop psicodélico, a mpb, tudo numa sequência coerente e sem deixar a peteca cair em nenhum momento.
usei esta expressão porque penso nela quando lembro dos anos 1940
SOPHIE — PRODUCT (2015)
nunca haverá outra Sophie, e não tem uma semana desde 30 de janeiro de 2021 na qual eu não paro por alguns minutos e penso em como é uma injustiça o mundo ter perdido ela. houve uma época em que a PC Music era só um segredo para as pessoas mais cronicamente online que você conhecia e os mais malucos da cena eletrônica de Londres, e essas criaturas constantemente tentavam te fazer escutar a nova da Hannah Diamond como se essas palavras estivessem na bíblia. não estão, mas a maioria das coisas boas da vida também não são mencionadas em nenhum texto religioso
a Sophie era o futuro em 2011, quando lançou sua primeira faixa, ainda era o futuro em 2013 quando lançou Bipp, era o futuro no lançamento de OIL OF EVERY PEARL'S UN-INSIDES em 2018 e ainda hoje, três anos depois da sua morte, continua sendo o futuro. talvez não venha a existir um momento em que canções como Lemonade e MSMSMSM sejam consideradas algo do passado ou datadas — todas as composições, faixas e remixes dela são de uma mente muito a frente do seu tempo e de tudo que estava sendo produzido na época e hoje.
todo mundo produzindo música em 2023 está tentando imitar ela. ninguém jamais vai conseguir
TAS 1000 — A Message for Marta (2003)
os melhores álbuns do mundo são aqueles que tem uma história interessante por trás, e A Message for Marta é extremamente interessante. TAS 1000 é um grupo experimental canadense que trabalhava principalmente com samples de secretárias eletrônicas — basicamente, a banda surgiu quando um dos membros comprou uma em um venda de garagem e descobriu que a fita do antigo dono ainda estava no máquina. e o que você deve fazer quando isso acontece? arte, obviamente
o principal elemento em todas as músicas de A Message for Marta são as gravações da secretária eletrônica da família de Marta. em Parks Canada, a banda toca um riff de math rock enquanto um homem pergunta se Marta está em casa, em Business Card Ad uma instrumental meio Wilco é tocada enquanto uma mulher faz propaganda de um serviço de impressão de cartões de visita e I’ve Been Delayed foi, por algum motivo, utilizada na trilha sonora de Club Penguin por muito tempo. o mundo é um mistério
é comum se sentir stalker escutando um álbum feito com gravações de uma família que acreditava que tudo que falavam seria privado para todo o sempre, mas quando a música é tão boa assim, não tem problema
They Might Be Giants — John Henry (1994)
não existe nenhuma banda mais nerd no mundo do que They Might Be Giants. nenhuma pessoa que seja integrante, fã ou saiba o que é esse grupo já transou na vida — John Linnell tem um filho, mas eu me recuso a acreditar nessa informação pois ele não concorda com a minha visão de mundo. o único momento da história em que uma banda cujos instrumentos principais são guitarra e sanfona poderia fazer sucesso era nos anos 1990, e graças ao bom Deus isso realmente aconteceu
tendo falado mal deles por um parágrafo, é importante frisar They Might Be Giants é uma das minhas bandas favoritas da vida. existe um certo tipo de estereótipo noventista que envolve uma pessoa ser fã de They Might be Giants, assistir Mystery Science Theater 3000 religiosamente e ler David Foster Wallace — eu não vivi os anos 90 na cidade de Nova York, mas espiritualmente eu sou essa pessoa. na minha cabeça, eu sou uma frequentadora assídua do Performance Space 122 e já vi o Andy Warhol uma ou duas vezes nos rolês da cidade
John Henry possui a outra música que já me fez chorar. essa eu não consigo explicar tão facilmente. a única coisa que vou dizer é que eu tenho um estado mental muito frágil de vez em quando
J Dilla — Donuts (2006)
ele simplesmente fez esse álbum e logo depois morreu. a vida é injusta de modos que a gente nem consegue imaginar. Donuts é um daqueles discos que mais parece uma jornada do que propriamente uma obra musical. é como se ele não tivesse sido feito por um humano: ele existiu desde sempre, mas alguém precisava descobrir. ao mesmo tempo, ele só poderia ter sido feito por um humano. um dia, a presença de músicas feitas por inteligência artificial nas paradas vai ser algo corriqueiro. nenhuma delas consegue imitar algo assim
é impossível falar de uma música específica — ou músicas específicas — em Donuts porque existe só uma música. o álbum inteiro é uma sequência coesa de samples e beats que nunca para, nunca dá um fôlego e que apenas um gênio poderia construir. apenas alguém com um conhecimento vasto de produção musical conseguiria produzir, mas também que só alguém com uma alma diferenciada faria. inteligências artificiais não têm alma. o J Dilla tinha
Weezer — Weezer [White Album] (2016)
antes que algum engraçadinho venha dizer que todo álbum do Weezer é um álbum branco: eu sei disso. pessoas chatas e desinteressantes adoram dizer que nada que o Weezer fez depois de 1996 possui qualquer valor artístico, mas isso é porque o ser humano foi condicionado ao longo dos anos a nunca dar uma segunda chance para as pessoas, não importa o que elas venham a fazer futuramente — a pesquisadora Gloria Groove fala muito sobre isso em seu artigo A Queda. a redenção é quase impossível. ninguém gosta de uma história com reviravoltas. filmes da Marvel continuam vendendo milhões de ingressos todos os anos
Weezer, também conhecido como o álbum branco, é infinitamente melhor do que o álbum branco dos Beatles. ele é um disco totalmente inspirado na ideia de verão que apenas habitantes da Califórnia conseguem ter — Rivers Cuomo nasceu em Nova York, mas quando uma pessoa coloca os pés em Los Angeles, a vida dela muda para sempre. pelo menos isso é o que eu sempre escutei e acredito piamente. os Beach Boys são os meus pastores e nada me faltará
Do You Wanna Get High? e L.A. Girlz parecem ter sido transplantadas diretamente do distante passado de 1996, (Girl We Got A) Good Thing é a versão Weezer de uma canção bubblegum pop dos anos 1960, Jacked Up inventou o indie pop 30 anos depois dele ter sido inventado, e California Kids consegue te destruir com dois versos no finalzinho. poucas músicas fazem isso
Kanye West — Yeezus (2013)
e daí que o Kanye West supostamente copiou Death Grips? eu vou te perguntar de verdade: você se importa com isso? você escuta uma música como Blood on the Leaves e pensa nesse tipo de coisa? nada além disso? sinceramente, qual é o seu problema?
Yeezus é de uma época em que as polêmicas envolvendo o nome Kanye West eram mais no sentido de ele ter sido inconveniente com a Taylor Swift ou ser uma pessoa egocêntrica, e não por qualquer afiliação com antissemitismo e flertes com fascismo. ele sempre foi uma figura odiada por pessoas burras por supostamente ser narcisista e se achar demais — como se um homem que fez 808s & Heartbreak e My Beautiful Dark Twisted Fantasy precisasse ser humilde. não precisa. inclusive, não deve ser. Kanye West é quem ele precisa ser. exceto pelo antissemitismo e flertes com fascismo
lembro até hoje de assistir repetidamente as performances de Black Skinhead e New Slaves no Saturday Night Live feitas alguns meses antes do lançamento de Yeezus. um negócio tão visceral, potente, imponente — Kanye West na frente de uma tela com imagens de cães furiosos e adesivos de supermercado. nunca vai existir outro artista como ele
░▒▓新しいデラックスライフ▓▒░ — ▣世界から解放され▣ (2012)
houve uma época no início do vaporwave em que o gênero praticamente não era música. ▣世界から解放され▣ quase não é música. são 19 minutos de samples tirados de comerciais antigos e programas de televisão japoneses, e estes samples são tocados em loops de 1 segundo por alguns minutos até desaparecerem. não existe uma lógica para os trechos escolhidos, e nem se sabe de onde a maioria deles vieram. ▣世界から解放され▣ não é bom. não é algo que você sente prazer em escutar. eu não sei se existe algum apelo. mas é fascinante
▣世界から解放され▣ consegue criar uma atmosfera que poucas obras de arte conseguem — a sensação de que tem algo de errado. a terceira temporada de Twin Peaks, uma pintura do Francis Bacon, um som na cozinha de madrugada que você não quer descobrir a origem. esse é um álbum que não deveria existir. não tem razão pra isso. batidas com 60% da velocidade original por cima de vozes que você não sabe o que estão falando. esse disco dá medo. é impossível alguém gostar disso. e mesmo assim.
XTC — Skylarking (1986)
XTC é uma banda que me era recomendada desde o início do meu fascínio por Beach Boys, há mais de dez anos, como sendo a versão dos anos 1980 do grupo. por muito tempo, eu não entendi o apelo do grupo; hoje, eu entendo muito. talvez tenha sido parte da maturidade desenvolvida nos últimos anos que também me fez passar a gostar de R.E.M e Jellyfish, mas algo mudou no meu cérebro ultimamente. talvez seja o estrogênio
Skylarking é o Pet Sounds dos anos 1980. não há dúvida quanto a isso. é o mais próximo de um pop psicodélico barroco que poderia se chegar utilizando as tecnologias de 1986, e também um dos discos mais diversos daquela época. a faixa inicial, Summer’s Cauldron, parece uma trilha sonora perfeita para um ritual no meio da floresta — não de um jeito satânico, mas sim um rolê mais conectado com a natureza.
That’s Really Super, Supergirl parece ter sido removida cirurgicamente de um disco do Paul McCartney do início dos anos 70, enquanto Ballet For A Rainy Day é uma das canções mais lindas que alguém escreveu depois de 1967. tem uma inocência nessa canção que parece que ela jamais teria sido feita nos anos 80, aquela década de Ronald Reagan e cocaína, mas de algum modo, no meio disso tudo, conseguiram arrancar algo assim.
Andy Partridge nasceu na época errada. se tivesse aparecido 20 anos antes, seria um dos maiores ícones da música pop de todos os tempos e teria rivalizado com os Beatles. e também estaria morto hoje em dia
Dorgas — Dorgas (2013)
inacreditável pensar que uma banda chamada Dorgas pode ser boa, mas o mundo é uma caixinha de surpresas. o Gabriel Guerra é um dos maiores compositores e cantores da música brasileira, e tudo que ele fez pós-Dorgas, principalmente com o Séculos Apaixonados, é de uma criatividade ímpar.
Dorgas, o disco, é uma versão brasileira da versão pop do Animal Collective — o Merriweather Post Pavilion tupiniquim. influências de sophisti-pop, yacht rock e Djavan nos anos 1980 — e mesmo assim, é totalmente diferente de tudo isso. as músicas do disco Dorgas têm como título Vice-Homem, Faisão Dourado (Tendência e Cor), Egocêntrica, Bósforo, Campus Elysium, Hortência, Vander, Patricinha Ingrata e Viratouro.
álbum para quem gosta de melancolia subentendida
The Beach Boys — Love You (1977)
é um fato conhecido por todos que os melhores momentos dos Beach Boys foram quando o Brian Wilson teve mais controle criativo do grupo — e também quando ele estava mais maluco. The Beach Boys Love You é um disco completamente revolucionário para o ano de 1977: no auge do movimento punk, os Beach Boys lançam um disco cheio de letras infantis, arranjos com sintetizador e que ao mesmo tempo, é extremamente punk. como se the Clash desistisse de falar sobre política e partisse para músicas falando sobre o sistema solar e aviões
em The Beach Boys Love You, Brian Wilson inventou o synth pop com Let Us Go On This Way. ao mesmo tempo, ele inventou o punk rock — mesmo já tendo sido inventado anteriormente — com Honkin’ Down the Highway. seguindo a mesma lógica, ele inventou o pop punk nesse disco com Mona. pode-se dizer também que o synth punk surgiu aqui — Roller Skating Child. o resto das músicas possui um gênero indefinido, pois é quase impossível rotular qualquer coisa que saía da cabeça de Brian Wilson em 1977
mas se existe algo que Brian Wilson tinha e muito em 1977 era coração. um coração funcional, bombeando sangue para todo o seu corpo. outros órgãos, também. vários deles comprados em lojas de instrumentos musicais.
N*E*R*D — No One Ever Really Dies (2017)
the truth will set you free, but first it will piss you off é um dos melhores inícios de um disco na história da música. não existe nada parecido com isso no hip hop mainstream dos últimos anos. se Death Grips é hip hop experimental com depressão, No One Ever Really Dies é hip hop experimental com TDAH
a presença do Pharrell Williams por todo o disco me faz pensar o quão triste é o fato de que fomos submetidas a trilhas sonoras de Meu Malvado Favorito enquanto poderíamos estar escutando algumas das produções mais inovadoras do século — quer dizer, eu não culpo ele, na verdade, mas esse é um dos álbuns mais bem produzidos que eu já ouvi na vida.
colocaram o Gucci Mane numa faixa quase de dance-punk meio LCD Soundsystem, o Kendrick Lamar em um negócio meio zolo/DEVO e a a Rihanna numa beat bounce/hyphy, e de algum modo, tudo funciona. mas esse tipo de coisa só funciona se tiver um gênio por trás
Arnaldo Baptista — Disco Voador (1987)
eu não sei como o Arnaldo Baptista estava em 1987, mas eu imagino que “bem” talvez não seja a resposta. desde sempre sofrendo com problemas psicológicos e praticamente aposentado da carreira musical, ele gravou em uma fita cassete várias composições novas e sombrias sobre assuntos que o interessavam — principalmente discos voadores. Disco Voador é o mais próximo que a música brasileira já chegou de ter seu próprio Daniel Johnston, e ele veio do lugar menos esperado: d’Os Mutantes
é tudo muito simples em Disco Voador, desde as letras até os arranjos. o álbum praticamente consiste na voz do Arnaldo Baptista e seu sintetizador, com uma bateria claramente eletrônica no fundo de algumas canções. Maria Lucia é uma canção de amor e nada mais, Crazy One's Ballad é uma versão em inglês de Balada do Louco, Le Foulle Ballad é uma versão em francês de Balada do Louco e em Traduções, Arnaldo avisa ao final da música que “não é muito bom com letras”.
Eu talvez seja a canção mais composta do álbum, e mesmo assim as letras não fazem sentido algum. pra mim, tudo isso é um positivo
Logan Whitehurst & The Junior Science Club — Goodbye, My 4-Track (2003)
a obra de Logan Whitehurst é a epítome do conceito de algo ser extremamente influente ao mesmo tempo em que não é muito conhecido. se todo mundo que comprou The Velvet Underground & Nico em 1966 formou uma banda, todo mundo que baixou Goodbye, My 4-Track em 2003 criou uma conta no Newgrounds
a obra de Logan Whitehurst possui um humor nerd muito específico que influenciou diretamente o humor de internet dos anos 2000 — basicamente, ele correu para que Neil Cicierega e Brian David Gilbert pudessem andar. mas isso é quase tirar o mérito musical do disco: algumas das músicas pop mais bobas do mundo estão aqui, lado a lado com as mais impactantes — e várias vezes, as músicas são as duas coisas.
Aron é uma canção sobre como Logan salvou a vida do primo quando eles eram crianças — e possui a letra i’m such a hero, baby. How Ya Doing, Emily? é uma música linda sobre como todas as coisas que fazemos na vida importam para nós e as pessoas ao nosso redor, enquanto Me & The Snowman é sobre o boneco-de-boneco-de-neve que sempre ficava ao lado dele durante seus shows. I Want To Live On The Moon é só sobre querer morar na Lua mesmo.
Logan Whitehurst faleceu em 3 de dezembro de 2006, de um câncer no cérebro, sem imaginar que, uma década depois, surgiria uma nova geração de fãs trazida exatamente por aqueles que influenciou. tem vezes que as pessoas morrem.
Eu leio um post assim e já penso, vou colocar em uma playlist pra ir ouvindo todos os dias...
Infelizmente o meu aplicativo de músicas já não disponibiliza o primeiro albúm...
Nem pra me frustrar lá pelo quinto e ter a brincadeira sádica de me fazer perder alguns minutos... Melhore!
Nunca mais ouvirei Luiz Melodia da mesma forma hehehe