realizando a ruptura

as melhores profissões para ser rupturada

ah, Severância. nunca desde Os Aspones uma série sobre um escritório capturou tanto a mente e o coração de todo o povo brasileiro — ou pelo menos de gente que assina o Apple TV, um grupo de pessoas que atualmente deve passar da casa das dezenas. um grande programa de televisão: após assistir o final da segunda temporada, eu imediatamente não confio na opinião de um ser humano que não tenha gostado do setor de Coreografia e Divertimento da Lumon. em nenhuma opinião. se tal pessoa me disser que Snickers branco é muito gostoso, eu irei para a direção contrária. “ah, Snickers branco?” eu diria. “eu sou contra. tem uma pessoa com opiniões terríveis que gosta muito dele”

é que o processo de ruptura é uma coisa muito complicada. talvez o meu innie goste muito de Snickers branco e talvez o meu outie odeie muito. não tem como saber e é tudo muito complexo. se dependesse de mim eu passaria o dia inteiro refinando macrodados, mas meio que as coisas não são do jeito que eu quero. e se eu quisesse fazer outra coisa, mas rupturada? quais seriam as minhas opções? hm. existem algumas

jogador de futebol

ok, primeiramente precisamos estabelecer alguns limites. a partir de qual ponto exatamente aconteceria a ruptura de um jogador de futebol? por mais maléfica que a entidade seja, eu duvido que FIFA decidisse do nada baixar um decreto obrigando todos os times profissionais do mundo a fazerem o procedimento de ruptura em seus jogadores — até porque eu não consigo ver nenhuma vantagem política ou monetária para eles nesses casos, e essas são as únicas duas motivações que existem. por isso, sinto que uma ideia tão insana assim poderia partir apenas de uma outra entidade com intenções ainda mais obscuras e perversas. é isso mesmo. eu tenho certeza absoluta que o Clube de Regatas do Flamengo realizaria a ruptura em seus jogadores

mas como ela funcionaria? claro que existe algo fascinante na ideia da ruptura sendo ativada apenas quando o jogador entra em campo — existem teorias de que isso estava acontecendo no clube enquanto Tite era treinador — mas também acredito que faria muito mais sentido se ela fosse ativada na entrada do CT. pelo menos os jogadores lembrariam das instruções dos treinadores e comissão técnica quando chegasse a hora de uma partida e talvez assim conseguissem um resultado melhor. ou não. existem mil possibilidades

mas infelizmente, realizar a ruptura em um jogador de futebol não é uma ideia perfeita. pode acontecer de o seu outie estar andando pelo calçadão de Ipanema em uma tarde ensolarada e ser brutalmente atacado por membros de uma torcida organizada — e até aí tudo bem, mas o problema é que você nem sequer sabe o que fez em campo para merecer essa surra. as pessoas te chutam na rua por causa daquele lance ridículo no último domingo e existe um buraco no seu cérebro que vai exatamente das 16h até as 18h, e você até tenta pegar o contexto quando um homem careca com um pedaço de madeira grita que você entregou o jogo pros porcos mas você não lembra de nada. eu entreguei? não sabia. ninguém me falou

e eu imagino a confusão de um innie sendo contratado por um novo time. imagina você estar jogando uma partida um dia, deixar o campo de jogo e quando acordar novamente estar sendo apresentado como o novo reforço do Juventude para a sequência do Campeonato Brasileiro? complicadíssimo. se fosse pro Fortaleza seria menos doloroso

motorista particular

a primeira cena de Ruptura introduz uma ideia que segue na minha cabeça toda vez que eu assisto um episódio. qual exatamente o nível de conhecimento do mundo externo que os innies possuem? eles sabem que o Delaware é um estado que existe, mas também parecem não lembrar de outros lugares fora do seu mundinho que não sejam, tipo, o Equador. mas eles lembram, então existe algo.

as habilidades que desenvolvemos ao longo da vida continuam ou não com a gente depois que entramos naquele elevador? algo que eu aprendi décadas atrás, em um momento importante da formação do meu cérebro, ainda segue comigo? se o meu outie sabe falar alemão, eu sei falar alemão? mesmo que inconscientemente, o meu innie teria um gosto musical parecido com o meu? ele escutaria A Day in the Life of a Tree dos Beach Boys e sentiria algo muito profundo dentro de si? por favor. eu preciso que você me diga. o meu innie sabe dirigir?

eu acho que a resposta provavelmente é não, o que torna tudo muito mais divertido. infrações de trânsito são uma daquelas coisas que estarão com a humanidade para todo o sempre, e eu vejo uma beleza enorme nisso. eles jamais conseguirão nos tirar isso. tudo bem, não podemos mais fumar em lugares fechados e somos obrigados a usar cintos de segurança, mas eu sempre terei a capacidade e a liberdade de cometer qualquer barbeiragem no trânsito. dessa vez eu não vou dar a seta e vai ser de propósito. eu quero causar caos e eu busco a anarquia. sim, claro. eu aceito o trabalho de motorista particular da Lumon. eu não tenho mais nada a perder

não deve ser tão difícil aprender a dirigir um carro automático do zero, então se eles me derem uma Duster para levar as pessoas por aí está tudo bem. mas talvez isso não aconteceria. todos os carros em Ruptura são velhos demais. eu nem sequer sei o que a Cobel dirige, mas ela devia levar pra revisão pelo menos uma vez por mês. periga as quatro rodas caírem de uma vez só igual em desenho animado

influencer

você não entende. eu preciso de uma versão minha que existe apenas no celular. talvez seria uma forma de evitar a culpa: eu poderia ficar quantas horas eu quisesse assistindo TikTok que não teria influência alguma em quem eu sou de verdade, e isso é lindo. eu assistiria um vídeo de um homem analisando tampas de bueiros e aquilo sumiria da minha mente assim que eu desligasse a tela. é a vida perfeita. eu poderia gravar stories e nem lembraria do que eu falei neles. meu Deus. eu preciso disso

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na verdade, eu sinto que já devem existir diversos influencers por todo o Brasil que passaram pelo processo de ruptura. é a única explicação. olhe nos meus olhos e me diga que Carlinhos Maia realmente existe. toda vez que ele pega o celular para olhar uma notificação, ele esquece de tudo que acontece fora daquele equipamento. ele vai nos finais de semana para o Rancho do Maia e nem sequer sabe o que está fazendo nem como chegou lá. do nada chega um outro influencer que não passou pelo processo de ruptura e precisa colocar um celular na frente do rosto pra ele lembrar quem é. um ser humano que existe apenas para gravar stories e reels. apenas um dos dois sabe quem é a Gkay. eu queria tanto que apenas 50% do meu ser conhecesse a Gkay

oiê! prazer, eu sou a isabela thomé. passando para avisar que essa semana eu participei do quadro 20 Perguntas, da ótima newsletter Não Tenho Gato! você não vai acreditar, mas fizeram 20 perguntas para mim. caso você queira ler 20 respostas minhas, clique imediatamente no link abaixo. eu adorei todas as 20

#50 ☆ 20 Perguntas: isabela thomé

essa semana também tivemos um novo texto exclusivo para assinantes! eu escrevi sobre um bar que eu visitei no final de semana. de vez em quando você visita um bar e precisa muito escrever sobre ele. nunca aconteceu com você? hm. estranho

assine já a eu destruirei vocêse tenha acesso a esse e mais muitos outros textos! nossa, acho que tem mais de 200 textos no acervo completo. é muita coisa. é conteúdo demais. dá pra passar o resto da sua vida lendo. a não ser que ela termine hoje. vou torcer pra que não termine

ah, eu tenho mais uma coisa para falar: eu te amo.