em 1979, os Beach Boys lançaram um disco. tudo bem, isso não era tão raro assim; de vez em quando um grupo musical californiano lança vinte e nove discos de estúdio durante toda a carreira e esse tipo de coisa passa a ser só mais uma notinha na biografia de uma banda que nem importa tanto assim para a esmagadora maioria da população. se você achou essa ideia áspera demais, pense no seguinte; você já escutou todos os vinte e nove discos de estúdio dos Beach Boys? provavelmente não, e não tem problema nisso. não há vergonha nenhuma em admitir que você nunca escutou o Fender Rhodes contagiante da sexta faixa de Keepin’ the Summer Alive, álbum lançado em 1980 para tentar remediar o fracasso comercial de L.A. (Light Album), despejado no planeta Terra um ano antes, mas talvez você deva sentir um pouco de vergonha por nunca ter escutado o cravo da primeira faixa de L.A. (Light Album).
Good Timin’ foi escrita cinco anos antes, em 1974, e guardada em um baú até ser resgatada por motivos misteriosos e transformada em single principal de um disco que precisava de um single principal. não há defeitos em Good Timin’. uma canção que, mesmo em sua forma mais rudimentar, sem vocais no refrão e disponível ilegalmente em uma qualidade desumana, consegue ser absurdamente humana. Good Timin’ é magistral, e Good Timin’ é Brian Wilson
eu creio que ser fã de Beach Boys, mas principalmente da obra de Brian Wilson, é fazer o melhor para encontrar beleza em lugares inesperados. dependendo do dia, você pode acordar imaginando que a vida é maravilhosa ou que ela nunca, em nenhum momento, foi maravilhosa. você pode acordar sentindo a brisa do campo e aceitando-a pelo que ela é ou você pode acordar sentindo a brisa do campo e ignorar tudo que o universo lhe traz. não são escolhas conscientes. se houvesse uma explicação fácil e concreta pros nossos sentimentos, tudo seria muito mais fácil. quando eu escuto os carros passando na rua com uma brisa ao meu redor mas sem nenhum campo por perto, eu não sei o que eu sinto. na maior parte das vezes, não faço questão de entender o que sinto. mesmo quando não existem palmeiras, eu estou aqui
ninguém gosta de The Beach Boys, lançado em 1985, primeiro disco homônimo da banda. eles demoraram vinte e cinco discos para pensar em chamar um álbum apenas de The Beach Boys. eu entendo todas as críticas; a produção demasiadamente oitentista, culpa do ex-produtor do Culture Club Steve Levine, fez com que a sonoridade lembrasse qualquer outra banda dos anos 1980 — e não os Beach Boys. os Beach Boys eram mais. é como se eles estivessem se rebaixando ao nível dos outros grupos da época, mas convenhamos: eles já haviam feito isso há muito tempo. gostar de Beach Boys é entender que metade da discografia deles é intragável para um ouvinte comum. uma pessoa normal que gosta de música escutará Still Cruisin’ e ficará horrorizada com a voz supostamente sedutora de Mike Love te chamando para uma volta em seu possante. eu não quero isso para a minha vida, mas eu aceito o que ela me mandar. se for do agrado d’O Criador que eu dê uma volta com Mike Love, tudo bem. a vida é longa e eu tenho tempo para me recuperar
eu tenho um fascínio enorme por The Beach Boys, lançado em 1985, primeiro disco homônimo da banda. a partir de certo ponto, qualquer contribuição de Brian Wilson para a música pop pode ser considerada um milagre. temos os clássicos dos anos 1960, os Pet Sounds, as Good Vibrations, as Let Him Run Wild — esses são tipos diferentes de milagres, eventos que ocorrem uma vez na vida para a grande maioria das pessoas mas que continuavam ocorrendo com uma frequência assustadora para o mesmo homem em um curto período de uma mesma década. eu considero Crack at Your Love, terceira faixa de um disco produzido por um amigo do Boy George, um milagre. mas não um milagre em sua totalidade; a ponte da canção é um milagre. lonely nights, lonely days, canta um Brian Wilson que só Deus saberia dizer como ainda estava vivo. i’m reaching out for you in my mind, in my mind.
haviam sido anos muito estranhos para Brian Wilson. ondas de depressão, declínio emocional severo, a morte do irmão e baterista Dennis Wilson, a chegada de um psiquiatra psicopata que salvou a sua vida e fez o possível para destruí-la nos anos subsequentes. gravações regadas a cocaína e hambúrgueres de onde saíram algumas das canções mais devastadoras já registradas em uma fita cassete. Oh Lord também é um milagre. Oh Lord é um hino religioso escrito por um homem que não era religioso, mas tinha como livro favorito a Bíblia. Oh Lord foi gravada para uma possível inclusão em The Beach Boys, mas eles preferiram uma música ruim escrita pelo Stevie Wonder. tudo certo. talvez The Beach Boys não merecia Oh Lord.
você pode escutar Crack at Your Love e não escutar nenhum milagre. inclusive, imagino que essa seja a reação de todas as pessoas que não tenham uma ligação forte com a obra de Brian Wilson. eu, por outro lado, não consigo pensar em tudo que esse homem fez em vida e não ficar ao menos levemente abalada em todas as vezes que ele, sabe-se lá de onde, descobriu mais uma vez a beleza. os grandes milagres de Brian Wilson não foram escritos ou compostos; eles foram descobertos. eles sempre existiram, desde a criação do universo, mas precisavam de alguém com o olhar treinado para encontrar. quando Brian diz que Be My Baby, das Ronettes, é mais importante que a teoria da relatividade de Einstein, eu acredito. eu acredito e eu entendo. Southern California, Melt Away, Still I Dream of It, From There to Back Again, It's Not Easy Bein' Me. um milagre atrás do outro.
M.I.U. Album é tratado por fãs como um dos piores discos da carreira dos Beach Boys. eu considero M.I.U. Album um dos melhores discos dos Beach Boys. tudo nele é brega e tudo nele é piegas, e se você não sabe apreciar a breguice e a pieguice e uma canção do Mike Love sobre o seu amigo George Harrison e mulheres de biquíni dançando em uma performance televisionada nos anos 1990 ao lado de homens de meia idade mais carecas do que não e músicas sobre como os tempos de surfe eram maravilhosos mesmo sabendo que a história da banda e de todos os envolvidos praticamente em nenhum momento foi maravilhosa, você nunca vai conseguir apreciar de verdade os Beach Boys.
M.I.U. Album abre com um falsete de Brian Wilson em She’s Got Rhythm, faixa que não deve nada aos clássicos dançantes do primeiro lado de The Beach Boys Today!, e a última vez que alguém tinha escutado um falsete de Brian Wilson havia sido… não sei, em 1971? quando alguém passa três anos fumando dois maços por dia deitado na cama, coisas se perdem, mas de vez em quando um milagre acontece e as coisas voltam como se nunca tivessem ido embora. quando Carl Wilson abre a boca no início de Sweet Sunday Kinda Love, rara colaboração entre Brian e Mike pós-verão do amor, você entende. Match Point of Our Love fala sobre amor com metáforas relacionadas a tênis e My Diane é uma canção de amor escrita para a própria cunhada. e eu não quero que nada seja diferente disso
é muito fácil para um garoto nerd introvertido de 15 anos se identificar com o Brian Wilson dos anos 1960, e é muito fácil para uma mulher depressiva de 29 anos se identificar com o Brian Wilson dos anos 1970. tudo ao nosso redor cresce com a gente. vem sendo um exercício interessante escutar a música do Brian Wilson de um modo diferente essa semana. não apenas os b-sides de Sweet Insanity ou as gravações nunca-lançadas com Gary Usher dos anos 1980, como eu normalmente faço, mas ir atrás dos clássicos. escutar Pet Sounds pela primeira vez em anos e ter uma perspectiva nova das palavras e dos acordes e dos sentimentos presentes no disco. perceber que as pessoas sentem as mesmas coisas que eu sinto desde sempre. eu sempre amei In the Back of My Mind, mas agora eu escutei de verdade e eu aceitei a sua mensagem e eu chorei no campus da universidade. ninguém viu. The Warmth of the Sun sempre existiu, mas agora eu sinto mais perto. você parou pra escutar God Only Knows essa semana? mas tipo, realmente escutar?
agora é um bom momento.
discografia recomendada
“isabela”, você grita de uma sacada ao me ver passando pela rua com um picolé de chocolate nesse frio invernal. “eu não sei nada sobre o brian wilson. por favor, me ajuda”. tudo certo, eu posso tentar. o perfil oficial dos Beach Boys fez uma ótima playlist chamada Remembering Brian Wilson, que não contém apenas os clássicos absolutos da banda mas também uma boa dose de canções obscuras e perfeitas. muito feliz com a inclusão de Sweet Sunday Kinda Love aqui. eu achei que só eu gostasse dela
caso você tenha interesse na fase pós-Brian’s Back, que é o que eu mais falei sobre nesse texto, eu fiz uma playlist há um tempo para a minha amiga
com algumas das minhas canções favoritas dessa fase. escuta Stevie. eu amo Stevie.assiste Love & Mercy (2014), a cinebiografia do Brian Wilson estrelando Paul Dano e John Cusack. leia Catch A Wave, a biografia do Brian Wilson escrita pelo Peter Ames Carlin. leia Eu Sou Brian Wilson, a biografia do Brian Wilson escrita pelo Brian Wilson. assista esse compilado de momentos engraçados do Brian Wilson
não assista o documentário do Disney+. ele é tenebroso.
Nunca vou me esquecer quando ouvi Pet Sounds pela primeira vez de fone pelo celular em um aniversário no começo de 2021 sem ter nada pra fazer, não me fisgou de primeira, mas vi que tinha alguma coisa ali no meio, decidi dar mais uma chance.
Nunca vou me esquecer de quando Pet Sounds foi meu melhor amigo e ombro pra chorar entre julho e agosto de 2021 enquanto passava por uma profunda tristeza com uma pessoa que bagunçou minha cabeça. Pedi pro meu pai pegar um Toca CD portátil, velho e empoeirado pra colocar Pet Sounds que tinha acabado de comprar o CD pelo Mercado Livre (e curiosamente depois de uns meses ele parou de tocar um lado da caixa, o espirito do Brian Wilson realmente incorporou o toca CD)
Nunca vou me esquecer dos dias intermináveis de setembro de 2021 quando ainda estava extremamente triste por essa mesma pessoa e a única coisa que me encantava enquanto ficava o dia deitado (olha ai eu fazendo cosplay de Brian) era Beatles e Surf's Up, e na mesma época ficava encantado com a atuação do Paul Dano em Love and Mercy.
Nunca vou me esquecer daqueles finais de tarde (pôr do sol entre 17:30~18:00) de novembro de 2021 em que voltava pra casa a pé após uma aula e tocava na minha cabeça Child is The Father of The Man - todos os instrumentos mesmo.
Nunca vou me esquecer daquelas manhãs de dezembro de 2021 quando voltava a pé das aulas de recuperação e tocava na minha cabeça That's Not Me - mais especificamente o CODA (I once had a dream...)
É muito curioso como nenhuma experiência é individual, e como as obras do Brian Wilson sempre chegam na gente na hora certa no lugar certo, talvez ele tenha descoberto o sentido da vida e quis passar pra nós meros mortais, e por isso que elas brotam e fincam em nós em algum ponto muito chave. OBRIGADO, BRIAN! E valeu por colocar em palavras o que nós não sabíamos colocar, Isabela!!! :)
Hoje em dia, escuto The Cocaine Sessions talvez mais que Pet Sounds