é um fato que as melhores tradições são aquelas que surgem do nada — é só pensar no nosso dia dos namorados, criado pelo pai do diretor Walter Salles em uma tentativa de aumentar o endividamento dos brasileiros em uma época do ano que as pessoas gastavam pouco. e o pior de tudo? valeu todo o esforço. mas meu verdadeiro ponto é: se qualquer um pode iniciar uma tradição, eu também posso fazer isso. eu, de fato, sou uma pessoa qualquer. o que significa que a partir de 2025, a eu destruirei vocês organizará uma lista anual dos 10 melhores discos brasileiros de todos os tempos. espero que goste
“ah, isabela, mas e-” sem mais palavras. sim, eu sei que já existiram outras duas listas de 10 melhores discos brasileiros de todos os tempos nessa publicação — respectivamente em 2022 e 2024. mas a questão é que existem infinitos discos brasileiros já lançados na história da música e da música brasileira — então, se eu quiser mesmo, eu consigo fazer uma lista diferente pra cada ano em que eu estiver viva nesse planeta. talvez após a minha morte eu licencie meu cérebro para uma empresa de inteligência artificial continuar regurgitando listas infinitamente, mas eu ainda não tenho certeza. se bobear esse tipo de coisa não vai ser considerada antiética quando a minha morte chegar e todo mundo vai achar normal. “ah, que bacana”, dirão as pessoas na rua. “a isabela thomé nunca vai morrer”
mas não tem problema. aqui, agora, você tem acesso à terceira edição anual da nova tradição milenar da eu destruirei vocês. esses são os 10 melhores discos brasileiros de todos os tempos de 2025
Angélica – Meu jeito de ser (1993)
eu acredito firmemente que Flecha de amor, escrita pela dupla Vinícius Cantuária e Evandro Mesquita, é uma das grandes canções pop brasileiras dos anos 1990 — e tudo bem, talvez esse tenha sido o período mais patético da música pop brasileira em toda a sua história, mas isso não é culpa de Flecha de amor. é algo sobre a quantidade de saxofones sobrepostos, o imediatismo de um refrão que proclama flecha de amor não dói ou o clipe gravado imediatamente após o diretor terminar de assistir Twin Peaks — tem cenas que parecem retiradas diretamente de Fire Walk With Me, e lembre-se que estamos falando de um clipe da Angélica. um ano antes, ela estava lançando discos infantis com canções chamadas Exército do surf. agora, ela é a Laura Palmer
todo artista infantil eventualmente tenta um rebranding mais sério, tal qual Macaulay Culkin estrelando em Party Monster, e Meu jeito de ser foi a primeira tentativa de Angélica. pra mim não tem problema algum: quando a faixa-título do seu disco é uma composição linda da Fernanda Abreu e a faixa sete foi escrita por ninguém menos que Fausto Fawcett, eu acho que você merece um pouco de respeito. há composições de Robertinho de Recife e Lincoln Olivetti em um disco da Angélica. olhe nos meus olhos e tenha a coragem de dizer que a vida não vale a pena
Celeste – Cinco e triste da manhã (1978)
eu penso no título desse disco toda vez que eu acordo entre 5:00h e 6:00h — o que acontece com frequência quando estou triste e com uma frequência um pouco menos quando estou me sentindo normal. cinco e triste da manhã? triste nem sequer é um número, mas eu te entendo. este é o primeiro dos dois discos que a cantora Celeste lançou durante sua carreira, e cantora celeste é uma descrição apta para a cantora Celeste. é um disco vindo diretamente das estrelas ou de um planeta desconhecido ou um planeta conhecido mas até então ignorado. há três composições de um Djavan pré-fama em Cinco e triste da manhã. talvez seja essa a explicação
o grande triunfo do disco, porém, é a faixa número seis — Ronda tristeza. já pensei muito sobre isso e na possibilidade de meus sentimentos mais intensos estarem exacerbados, mas eu não consigo não imaginar essa sendo uma das maiores canções brasileiras de todos os tempos. são três minutos e vinte e três segundos de uma performance magnífica, uma progressão perfeita e um refrão que mudou a minha vida na primeira vez em que escutei. uma vida pode ser mudada por um refrão? eu acredito que sim. eu lembro onde estava quando escutei Helena pela primeira vez, mas pouca coisa se compara a um eu vou morrer / eu vou nascer em cada minuto por você. ou dois. ou três
Dorgas – Dorgas (2013)
Gabriel Guerra, se você estiver lendo isso, eu te amo. é inacreditável pensar que uma banda chamado Dorgas pode ser boa, mas Dorgas é inacreditável mesmo. o mundo é uma caixinha de surpresas, a Séculos Apaixonados não existe mais e existe um disco dele junto com o Lucas de Paiva e o Bruce Hornsby lançado ano passado. se você não sabia, tudo bem. eu descobri literalmente agora. mas estou enloquecendo
Dorgas, o disco, é uma versão brasileira da versão pop do Animal Collective — o Merriweather Post Pavilion tupiniquim. uma referência meio óbvia e possivelmente irritantes para os membros do grupo, mas peço perdão: eu sou obcecada com The Purple Bottle desde os meus quinze anos de idade e continuarei assim pro resto da minha vida. as influências de sophisti-pop, yacht rock e Djavan nos anos 1980 — e mesmo assim, é totalmente diferente de tudo isso. álbum para quem gosta de melancolia subentendida
Diana Pequeno - Mistérios (1989)
Mistérios ocupa o mesmo espaço na minha alma que Canto Lunar, disco de Denise Emmer previamente escolhido pelo comitê eu destruirei vocês como um dos dez melhores álbuns brasileiros de todos os tempos. Mistérios é um canto lunar: uma mulher e seu violão, um pouco de reverb e eu me sinto em um astro ou corpo celeste. música para escutar de madrugada olhando pela sacada e fumando um cigarro, caso você tenha começado a fumar recentemente após uma série de traumas levados e relevados à sua analista das quartas-feiras de manhã. Mistérios começa com um cover em português de All I Want, composição de Joni Mithcell, e essa nem sequer é a melhor composição do álbum
assim como outros cantos lunares, as únicas cópias do disco existentes na internet não tem uma qualidade perfeita — talvez seja um RIP em 128kbps lançado em um blog brasileiro com um nome do tipo brazilian gems no final da década de 2009, mas no fundo nem sequer importa. há muitos anos, eu tinha um amigo da internet que levava um gravador da Sony para todos os shows que ia e ao chegar em casa, passava o arquivo no Audacity e intencionalmente destruía a qualidade dele para ter uma experiência de som mais autêntica. a guitarra mais distorcida e os vocais mais indecifráveis possível. eu não sei se concordo com esse estilo de vida, mas eu respeito
Penélope - Mi Casa, Su Casa (1999)
eu sinto que esse é o tipo de coisa que a MTV Brasil passaria o dia inteiro tocando em outros tempos, mas eu não era um ser humano consciente em 1999 então eu não poderia te falar isso com exatidão. caso alguma pessoa mais experiente se lembre de alguma coisa do ano de 1999, por favor me avise. Mi Casa, Su Casa é um disco absurdamente moderno: tudo bem, o motivo disso é porque diversas bandas brasileiras da cena atual perceberam que Weezer é de fato um ótimo grupo musical e estão tentando copiá-lo, mas isso não torna a banda baiana Penélope menos cool. a Wikipédia está tentando me dizer que “o som era uma mistura de bubblegum, guitar band, new wave e jovem guarda”, e você sabe que é verdade porque eu nem sequer removi os hyperlinks quando copiei e colei esse trecho aqui
é meio Leela e meio Autoramas. o indie rock brasileiro da virada do século não necessariamente precisa ser estudado, mas sinto que a maioria das pessoas não se importa com essa era da música independente nacional até estar caminhando pela rua e lembrar de um refrão de uma canção da Ludov que caramba, realmente era muito boa. eu entendo, a nostalgia pode nos cegar de vez em quando. sim, eu lembro de Rock Rocket. tempos sombrios. mas você lembra de Gram? eu lembro. e inclusive, você pode ir na janela
Lenine – Na pressão (1999)
eu admito: até escutar Na pressão em uma manhã ensolarada de segunda-feira há algumas horas, eu tinha um preconceito enorme com o cantor e compositor Lenine. ele ocupava o mesmo espaço no meu cérebro que cantores como Jorge Vercillo e Jay Vaquer: aquele tipo de compositor dos anos 2000 que até era legal quando você era criança, mas hoje em dia você olha pra trás e tenta entender como exatamente houve uma época em que você achava Cotidiano de um Casal Feliz uma boa canção. claro. a explicação é que você tinha dez anos de idade. mas tem coisas que o tempo não cura
Na Pressão é talvez o grande exemplar dessa época da música da música brasileira em que todos os artistas possíveis adicionavam elementos de breakbeat e jungle em suas composições MPBísticas — o mundo nunca mais foi o mesmo depois que Skank e Fausto Fawcett colaboraram em Balada do Amor Inabalável e Suba morreu enquanto produzia o próximo disco da Daniela Mercury. o otimismo Y2K não nos levou a lugar algum, mas até que foi divertido por um tempo
Marlene — Te pego pela palavra (1974)
esse aqui é um disco ao vivo — por favor, não jogue as pedras ainda. Marlene é uma daquelas cantoras pré-bossa nova que eram extremamente populares em sua época, mas foram quase esquecidas depois da revolução musical brasileira — um negócio meio Francisco Alves, Dalva de Oliveira, Linda Batista, todo aquele pessoal da era de ouro do rádio. mas ela não parou no tempo: nos anos 1960 e 1970, gravou várias músicas da nova geração — Milton Nascimento, Marcos Valle, etc. — que inclusive resultou no show É a maior!, lançado em 1970. e escutando Te pego pela palavra, fica evidente que ela foi a maior que já tivemos
Te pego pela palavra é um show com uma intensidade inacreditável — ainda mais pensando se tratar de uma artista com 50 anos de idade e mais de 30 de carreira na época, com mais nada a provar para ninguém. dirigido por Hermínio Bello de Carvalho e Arthur Verocai, o disco tem dois lados e também duas faixas — praticamente o negócio inteiro é um medley gigantesco, com dezenas de músicas coladas uma na outra e uma performance absolutamente perfeita não só da Marlene como também da banda de apoio. ela consegue transitar entre o samba, o forró, o pop psicodélico, a MPB, tudo numa sequência coerente e sem deixar a peteca cair em nenhum momento.
usei esta expressão porque penso nela quando lembro dos anos 1940
Paulinho Pedra Azul – Uma janela dentro dos meus olhos (1984)
um Paulinho que, ao mesmo tempo, é uma pedra azul. Uma janela dentro dos meus olhos é maravilhoso no sentido de beleza mesmo: é um disco lindo, belo e cheio de poesia — uma das coisas mais bonitas que algo ou alguém pode ser. se você é o tipo de pessoa que se importa com títulos, pense por uns instantes na frase uma janela dentro dos meus olhos. se você consegue pensar, ótimo: eu não consigo. eu me emociono fácil demais. meu Deus, sim. eu tenho uma janela dentro dos meus olhos, e todas as pessoas ao meu redor tem uma janela dentro dos seus olhos. elas podem escolher ver a minha janela e eu posso escolher ver a janela delas. calma, eu preciso de um tempo
nota: a presença de cliques e chiados no áudio se deve ao fato de o arquivo digital ter sido obtido a partir de disco de vinil, sem o devido processamento para retirar ruídos. eu não me importo. precisamos de amores, e o amor pode estar onde você quiser
Andréa Daltro – Kiuá (1988)
eu tenho sim um pouco de vergonha de ter conhecido Andréa Daltro em um compilado de música eletrônica brasileira feito por gringos. Kiuá, a faixa-título de Kiuá, está disponível na ótima — apesar de gringa — coletânea Outro tempo: Electronic and Contemporary Music From Brazil, 1978-1992, lançada pela Music From Memory no ano de 2017. ótima gravadora: eles lançam discos do Gigi Masin e adoram uma curadoria de música estranha de países longínquos — ó como somos tropicais e de terceiro mundo. ao mesmo tempo, não adianta: tem uma parte de mim que sempre vai se interessar por coletâneas com títulos do tipo Virtual Dreams: Ambient Explorations in the House & Techno Age 1993-1997. sim, eu preciso de explorações ambiente na era do house e do techno. como é que eu não vou escutar algo chamado Uneven Paths: Deviant Pop From Europe 1980-1991? me diz
Kiuá: vocais distantes, camadas e camadas de saxofones e, calma aí, eu preciso falar dos vocais mais uma vez. eu adoro os gritos controlados de Andréa Daltro. é quase um yodeling e eu poderia ficar escutando isso tudo por horas, tal qual eu estava fazendo há alguns dias. é erudito ao mesmo tempo em que não é. seu único outro álbum foi lançado em 1997 e se chama Modinhas brasileiras: Songs From 19th Century Brazil. eu nunca escutei, mas ele tem 24 faixas e isso me alegra
Comunidade Nin-Jitsu – Broncas legais (1999)
olha aqui, Detetive é uma canção incrível. se você gosta de LCD Soundystem, não existe motivo algum pra não gostar dessa música. desculpa se isso te ofender, mas é a mais pura verdade
Sim, a música Holiday da Penélope tocou sem parar na MTV! 100% intrigada com essa lista
isabela estou muito emocionado pq comecei a leitura pensando "aff mais uma lista dessas que não vai ter Broncas Legais" e terminei gritando (mentalmente né) siiiimmmmmmmmmm
de todas as listas de discos essa é a primeira que vale
parabens